“Aqui tudo é formoso/ Toda madeira é de lei / Aqui encontrei repouso / Aqui te reencontrei / Amiga, só quero pouso no Pouso do Chico Rei”
Vinícius de Moraes (em poema à Lilli Correia de Araújo, fundadora do Pouso do Chico Rei)
A HISTÓRIA
(Por Ângelo Oswaldo de Araújo – Secretário de Cultura de Estado de Minas Gerais)
O Pouso do Chico Rei está instalado em magnífico solar da Rua do Carmo, ou Rua Brigadeiro Musqueira, como assinala a placa, em referência a uma personalidade local do século XIX. Ao seu lado se acha a Casa da Ópera de Vila Rica, o mais antigo teatro em atividade nas Américas, inaugurado que foi em 6 de junho de 1770, pelo contratador do ouro João de Sousa Lisboa. Ao pé da Capela de Nossa Senhora do Monte do Carmo, erguida pelo arquiteto e mestre carapina português Manuel Francisco Lisboa e embelezada por seu filho, Antônio Francisco, o genial Aleijadinho, o Pouso reina sobre bela e envolvente paisagem. Na moldura das montanhas, um chalé do Oitocentos e a ladeira do Carmo completam o cenário. A dois minutos da Praça Tiradentes, ele se encontra no coração da cidade monumento.
Em 1953, a dinamarquesa Lili Ebb aHenriette Correia de Araújo (1907-2006), viúva do pintor pernambucano Pedro Correia de Araújo (1881-1953), decidiu fixar-se em Ouro Preto. Seu marido adorava passar temporadas na velha Capital mineira, desenhando e pintando no atelier mantido no casarão por ele comprado nas Lajes, o chamado Solar dos Motta, que havia pertencido ao Visconde de Caeté, primeiro presidente da Província de Minas, e ao Barão de Saramenha.
Associada à pintora Ninita Moutinho (1915-1989), do Rio de Janeiro, Dona Lili resolveu comprar o belo sobrado que o arquiteto e historiador Sylvio de Vasconcellos tinha acabado de restaurar junto ao Teatro de Ouro Preto. Elas imaginaram abrir um pequeno hotel, com móveis de época e objetos de arte, além de um restaurante e um antiquário, para acolher o público sofisticado que começava a se interessar por Ouro Preto, além da legião de intelectuais que, desde a década de 20, instigada pelos primeiros modernistas, passara a peregrinar em Ouro Preto.
UMA ESCOLA DE BOM GOSTO
O mobiliário criteriosamente escolhido, entre o melhor que os antiquários então esbanjavam, peças selecionadas do artesanato local, flores, obras de arte e requinte na anfitrionagem fizeram de imediato do Chico Rei uma legenda. Mais do que um pouso, Lili e Ninita criaram uma escola de bom gosto. As habilidades admiráveis da dinamarquesa, exímia na bricolagem e no preparo de pratos rápidos e surpreendentes, e a descontração da carioca, dona de singular humour, ensinaram a Ouro Preto o verdadeiro charme das pousadas e do ambiente histórico, despertando a cidade para as potencialidades do turismo.
O grande pintor Alberto da Veiga Guignard (1896-1962) amava o Pouso e ornamentou as portas de um grande armário de canto, na sala de jantar, nelas pintando os nomes de Lili e Ninita. Vinícius de Moraes compôs um poema para exaltar as maravilhas do Chico Rei.Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir ali chegaram, com Zélia e Jorge Amado. O pintor Carlos Scliar, em suas temporadas na cidade, gostava de jogar cartas com D. Lili, na copinha do Pouso. A poeta norte-americana Elisabeth Bishop (1911-1979) ia tomar chá e falar do restauro de sua residência nas Lajes, a Casa Mariana, inteiramente promovido por Lili.
D. Graciema e Rodrigo Mello Franco de Andrade, vizinhos, frequentaram a casa. O secretário americano Henry Kissinger e o ministro francês Jack Lange se hospedaram no Pouso.
Cida Zurlo, professora de Botânica da Escola de Farmácia da UFOP, diz que Lili sabia tudo: pintura, culinária, marcenaria, restauração, decoração. De suas mãos saíam sempre criações inigualáveis, recorda.
Hoje, o Pouso do Chico Rei é administrado pelo neto de Lili, o paisagista e artista, Ricardo Correia de Araújo. Ricardo colocou em cada um dos quartos o nome de seus hóspedes ilustres: ” é uma forma de homenagear a vovó e seus amigos queridos que aqui encontraram repouso e muito amor”. Guignard dá nome ao quarto 4, seu preferido na casa.
Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir ali chegaram, com Zélia e Jorge Amado, que se hospedavam no quarto 5. Hoje este aposento foi batizado com o nome do escritor baiano.
Burle Marx ficava no quarto 3. O pintor e paisagista gostava de jogar cartas com a anfitriã na famosa copinha do Pouso.
A poeta norte-americana Elizabeth Bishop ia tomar chá com Lili e gostava do quarto 8. O lendário quarto foi cenário do filme Flores Raras, dirigido por Bruno Barreto e lançado em 2013, contando o romance entre Elizabeth Bishop, vivida por Miranda Otto; e a arquiteta Lota Soares, interpretada por Glória Pires.
O chileno Pablo Neruda se hospedou no quarto 6.
No quarto 1, o poeta Vinícius de Moraes morou durante 6 meses, fugido da Ditadura Militar. E lá voltou várias vezes com suas namoradas. A baiana Jesse Jesse, se lembra com saudades daqueles tempos.
O secretário americano Henry Kissinger e o ministro francês Jack Lange também se hospedaram no Pouso.
DE PARIS A OURO PRETO
Nascida na Dinamarca, Lili deixou Copenhague muito jovem, a fim de estudar pintura em Paris. Por indicação de amigos, foi tomar aulas com o pintor brasileiro Pedro Correia de Araújo, em seu atelier da RueCampagne Première, em Montparnasse. Pedro residia em Paris desde a proclamação da República no Brasil (1889), porque seus pais, nobres pernambucanos, se auto-exilaram na França, acompanhando a Princesa Isabel e o Conde d’Eu em seu banimento. Amigo de Henri Matisse, o pintor brasileiro vivia intensamente o ambiente artístico de Paris e era reconhecido pela qualidade de sua obra.
Lili e Pedro se casaram em 1929 e resolveram se transferir para o Brasil. Passaram por Recife e se radicaram no Rio de Janeiro. O casal teve dois filhos: o escultor Pedro e o paisagista Luís. Logo, o pintor começou a participar das rodas de artistas plásticos e intelectuais, integrando-se na vertente carioca do movimento modernista. Também em 1929 voltaram ao Brasil Guignard e Roberto Burle Marx, que haviam estudado na Alemanha. O pintor Cândido Portinari e o poeta Murilo Mendes tinham papel importante no Rio da época.
Pedro Correia de Araújo dedicou-se às paisagens montanhosas e florestais do Rio de Janeiro, sobretudo concentrado na figura feminina, grande tema de sua obra. Sem comercializar os desenhos e óleos, ele acumulava a produção e administrava a herança familiar como fonte inesgotável de renda.
Foi assim que adquiriu o casarão das Lajes, em Ouro Preto, que faria Lili Correia de Araújo mudar-se para a cidade, após seu falecimento. Residindo nas Lajes, ela fez do Pouso do Chico Rei a primeira pousada do circuito histórico de Minas e um exemplo que, mais de meio século depois, permanece vivo nas mãos de seu neto Ricardo Correia de Araújo, atual dirigente do Chico Rei.
CHICO REI: UM NOBRE AFRICANO EM VILA RICA
Lili e Ninita escolheram o nome do legendário príncipe africano escravizado para o pouso inaugurado na antiga Vila Rica. Segundo a tradição, amparada por documentos setecentistas, como livros de irmandades estudados pelo historiador norte-americano Donald Ramos (Universidade de Cleveland, Ohio, EUA), Chico Rei era um chefe africano escravizado após guerras tribais e vendido, com seus familiares, para o Brasil. Ele e a família foram comprados por um senhor de escravos de Vila Rica e tiveram a sorte de não se dispersar.
Trabalhando intensamente e economizando ouro, nos cabelos frisados e nas unhas, Chico Rei teve meios para comprar a carta de alforria do filho e, em seguida, a sua própria liberdade. Depois, cuidou de libertar os familiares e chegou a ter a sua mina, que o tornou um homem rico. Essa mina pode ser visitada, no bairro de Antônio Dias, logo depois da Ponte do Palácio Velho da Encardideira.
O rei negro participou da construção da Capela de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz. Ele comparecia às solenidades religiosas ricamente vestido, acompanhado em cortejo pelos familiares. Remonta a esse costume o desfile dos congados, que os africanos e afro-descendentes passaram a realizar em momentos festivos e nas celebrações do Rosário.
CHICO REI
(Por Fernando Rebouças)
Na história oral de Minas Gerais, o personagem Chico Rei é uma lenda. Teria nascido no Reino do Congo, batizado com o nome de Galanga. No reino, era um monarca guerreiro e sacerdote do deus Zambi-Apungo.
Depois de ser capturado junto com seus súditos pelos comerciantes portugueses e traficantes de escravos, chegou no Brasil, através do navio negreiro “Madalena”. De toda a sua família, somente e seu filho sobreviveram na viagem.
A rainha Djalô e a filha foram jogadas do “Madalena” para o oceano, como forma de superar a ira dos deuses da tempestade que ameaçava afundar o navio. No Rio de Janeiro foi vendido e levado para a Vila Rica como escravo.
Seu filho foi junto, e os dois trabalharam como escravos. Trabalhando em minas de ouro, conseguiu comprar a sua alforria e a do seu filho. Adquiriu a mina da Encardideira, o que o possibilitou comprar a alforria de seus compatriotas.
Chico Rei e seus compatriotas escondiam o ouro entre os seus cabelos, que lavavam na pia batismal da igreja, com o acobertamento de religiosos.
Todos os libertos o chamavam de “rei”, associaram-se à irmandade de Santa Ifigênia, primeira irmandade de negros livres de Vila Rica. Nessa época, ergueram a Igreja de Nossa Senhora do Rosário.
No século XVIII, virou monarca em Ouro Preto, antiga Vila rica, na ausência do governador-geral Gomes Freire de Andrada. No dia de Nossa Senhora do Rosário, haviam solenidades da irmandade de Santa Ifigênia, nas quais Chico Rei era coroado como rei, bem vestido, seguido por músicos e dançarinos, cortejo que deu origem ao Congado.
CRÔNICA AO POUSO DO CHICO REI
(Por Blima Bracher)
Quem contará de nós a história?
Onde ficaram aquelas vozes?
E as conversas na madrugada,
Ainda resvalam no infinito?
Ou continuam nos cemitérios?
Ainda se encontram aquelas almas?
E bebem e fumam como de costume?
Quem guarda o Pouso e suas risadas?
Ainda ecoam as grandes noitadas?
E o fantasma com pata de anta ainda caminha no adro do Carmo?
E éramos 12, segundo Carlinhos
Fani, a caçula logo adotada
E os jantares na sala grande
Ganhei presentes com Rafael
Algum mistério naquela casa
Boas conversas e a fumaça
Cinzeiro cinza
Cinza que ardia
Ainda quente em vigia
E no Pouso, repouso havia
A luz pingada desenhos fazia
Mortos se foram
Móveis ficaram
Nas paredes Pedro Luiz e Guignard respiram
Uísque havia
E também Vinícius
Lili, Ninita e Scliar
Dando vida ao casarão
Na foto de capa, o anfitrião Ricardo Correia de Araújo recebe amigos de São Paulo
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Obrigado Minha Querida ! Viva o Pouso !!! Lili iria Adorar seu Poema e sua Matéria ! Bjus
Ricardo, um acaso muito por acaso me trouxe à esse blog e encontro seu nome. Sou a Carla, vizinha de Copacabana, dona da Petruska, amiga do Snow. Perdemos contato, eu moro hoje em Berlim, embora venha muito ao Rio. Será muito bom ter notícias de vocês todos, de quem tenho ótimas recordações! Tomara que essa msg te encontre, um abraço,Carla
Obrigado Minha Querida ! Viva o Pouso !!! Lili iria Adorar seu Poema e sua Matéria ! Bjus
Ricardo, um acaso muito por acaso me trouxe à esse blog e encontro seu nome. Sou a Carla, vizinha de Copacabana, dona da Petruska, amiga do Snow. Perdemos contato, eu moro hoje em Berlim, embora venha muito ao Rio. Será muito bom ter notícias de vocês todos, de quem tenho ótimas recordações! Tomara que essa msg te encontre, um abraço,Carla
Que gostoso ter acesso a estas informações, justamente pelas recordações que nos traz.
Estudando na Escola de Minas, no período de 1968 a 1972, tive a alegria de receber minha namorada Elisabeth Damini e sua mãe Lourdes Maria de Freitas para participar da Festa do 12 no ano de 1970.
E para que elas ficassem bem acomodadas fiz uma reserva na Pousada Chico Rei.
Foi o maior sucesso!
Beth ficou encantada com a cama com dossel, além de toda ornamentação da pousada, bem como da simpatia de Dona Lili, que as recebeu com tanto carinho.
Mais uma vez, obrigado pelas lembranças!