O mal maior
Sofro de um mal incurável e contagioso: o amor pela vida. E o sono não vem, ou vem lento, quase sonolento. Pro meu gosto, lento demais.
E penso nos vendedores de picolés, nos cachorros vira-latas e nos músicos de esquina e meu coração transborda de paixão e sangue, faz meu rosto corar. Um ardor por cada vela acesa de lampião, por cada poste piscando em vão.
Por cada centímetro do Parque do Itacolomi queimado e seus ninhos e ninhadas. A passarada. Os lagartos e tatus. E as flores que morrem, pois não são de plástico. E animais dando saltos elásticos, e alcançados pelas labaredas do horror humano. Desumanos seres. Humanos animais. Feras feridas, muitas vezes no peito atingidas.
Sofro por Romeus, por Julietas. Olhadelas nos asilos, nas cadeiras de rodas: o último suspiro de amor. Aquele que filtra a alma, e será? Dará sentido?
Amo o amor das pessoas nos bancos de praças, mais que as taças nos iates. Embora estes também me pareçam convenientes. Senão, mais confortáveis. Mas são os tamancos de Almodóvar que pisam mais fundo. São os acordes de Bethânia que cantam o apito da fábrica de tecido. E “o que será que será que dá dentro da gente será que será, que nem dez mandamentos irão explicar, que nem todos unguentos irão evitar?” Cala a boca a resposta. Escorre peito adentro. Como vulcão queimando. Seremos redimidos? Por chibatas e castigos, por cruzes e martírios? A fé tem que sufocar o amor, mas em mim não sufoca.
O amor é o mal maior. Está nos pontos de ônibus, nas esquinas despedaçadas entre cílios e bordoadas. Lá está ele: o amor: tranquilo e infalível como Bruce Lee, ou avassalador como Viniciar, cachaceando uma chaçaça de rolha. Prefiro cerveja, s’il vous plait?
E meu cachorro cego me olha e me vê por dentro.
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