Por Daniel Bracher
E se pudéssimos viver sem as amarras dos usos e costumes da sociedade ? Assim vive Bella Baxter, um experimento do anatomista Dr. Godwin nessa releitura de Frankstein. Bella nasce com um cérebro de bebê, mas já em um corpo de uma mulher adulta. Disposta a conhecer o mundo, ela acaba se juntando ao advogado picareta Duncan Wedderburn nesta jornada pelo mundo. Com o maravilhamento de uma criança ela questiona os padrões. Por que não podemos cuspir uma comida que nâo gostamos ? Por que não fazemos a “coisa de ficar feliz” o tempo todo ? Duncan se torna seu guia para o mundo novo e ao mesmo tempo a figura do “super ego” daquela sociedade. Interessante que Bella é livre e disruptiva e é inglesa, um povo conhecido pela polidez no trato social. Nada mais poderia ser menos a nossa personagem. A liberdade hedonista sem culpa da personagem que dá o mesmo valor às experiências, seja ao fazer sexo, seja em se empanturrar com pastel de Belém. Mas nem tudo é felicidade. Bella descobre a dor da condição humana com o fado de Carminho. Uma singela mas fundamental pérola desse filme. No avançar de seu amadurecimento. ela começa a entender a situação da mulher na sociedade. “Não se nasce mulher, torna-se mulher” como disse a famosa feminista.
Esteticamente o filme é absolutamente maravilhoso. Vale muito a pena vê-lo na telona. Se não for possível, felizmente já está disponível no Star+. Oscars de direção de arte, figurino e maquiagem super merecidos. Um visual fabulesco e retrofuturista na era vitoriana. O filme é muito rico em referências. Do expressionismo de Metropolis de Fritz Lang ao onírico navio de E La Nave Va de Federico Fellini, como a arquitetura de Antoni Gaudi. Tudo é um deleite para os olhos. O uso de lentes também é incrivel. Temos desde lentes que retratam a vastidão da jornada da protagonista, até uma lente olho-de-peixe que nos faz sentir voyeurs em situações bizarras do filme. A trilha sonora reflete o estilo disruptivo do filme. Uma trilha frequentemente com cordas dissonantes desafinadas como se fosse uma criança tentando tocar um instrumento.
O roteiro maravilhoso, ferino e irônico da trajetória da nossa heroina toma vida em atuações impecáveis. Willem Dafoe, como o Dr. Godwin Baxter, faz o que faz de melhor, papel de freak, mas do bem (talvez ?).
Mark Ruffalo com seu Duncan Wedderburn ganha a chance de fazer um personagem tridimencional e o faz super bem. A química entre os protagonistas é maravilhosa. Emma Stone, bem, o que falar de Emma Stone, simplificando, nunca vi uma entrega assim de uma atriz em toda a minha vida cinemeira. Ela vai de um bebê a uma mulher adulta, com tudo que isso envolve, sem ficar falso ou caricatural. Vai de um olhar de encanto pelo mundo a um olhar de desencanto e resignação muito impressionante. Uma atriz de um patamar de uma Merryl Streep.
Pobres criaturas, apesar de ser feito basicamente por homens (livro inspirador, roteiro e direção) é uma pulsão pela liberdade feminina e além. Parafraseando Gandhi: o machismo tem que acabar, primeiro para livrar as mulheres da opressão, segundo para livrar os homens também.
No fim das contas, pobres criaturas somos todos nós.
Daniel Bracher é especialista em TI e apaixonadopor cinema e gastronomia. Daniel Bracher
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.