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Sou uma velha menina

Sou uma menina velha. Sou uma velha menina. O tempo passou por mim. Mas eu não passei pelo tempo. Queria bienais monossilábicas. Mas sou barroca de ferro. As lentes grossas dos óculos agora são finas películas.

Vesti terninhos na capital, mas qual Dona Olímpia voltei. Meus olhos entortam a cada dia. São tão lindas estas ladeiras… Mas queria agora os cruzamentos anônimos das metrópoles da vida.

Mas estes estão fechados

Respirar é perigoso.

Ainda assim: amar é preciso.

E eu preciso comprar macarrão. Quero enrolar os fios no garfo e observar o sugo pingando no vestido novo. Depois passo um paninho com água quente, enquanto sobe o perfume fresco de manjericão. Podemos comer macarrão? E sorver um bom tinto à noite?

É preciso seguir o protocolo.

Viver é preciso.

Mas o que temos pra hoje é sobreviver.

Queria cruzar sinais verdes e observar as luzes de faróis frenéticos. Mas é mister frear impulsos. Pulsos ainda pulsam. Mas dinossauros foram extintos.

Melhor mergulhar na lábia suculenta de Jorge Amado.

E sorver lentamente moquecas imaginárias.

Enquanto caminho por praias oníricas.

Sonho com um tesouro escondido. Bela cristaleira com compoteiras cheias de balas de coco.

Sim, um tesouro de menina. Pois sou uma velha menina.

Foto: @fernandohelbert

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

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