Quando soltava a fornada de pães quentinhos, o padeiro Amilcare Savassi nem sonhava que algumas décadas depois, toda uma região seria batizada com seu sobrenome. Nos anos 30, o italiano estabeleceu-se na Praça Diogo de Vasconcelos. A Padaria Savassi tornou-se tão popular, que aos poucos virou ponto de encontro. Quantos namoros, compromissos e flertes não começaram ali, depois de um convite, digamos, nem tão inocente assim: “Vamos à Savassi?”
Nos idos dos anos 50 e 60 muitos jovens se encontravam ali: Pacífico Mascarenhas, Toninho Lobo Maia, Lud Dolabella, Lucas Casassanta, entre outros. Na época, desconhecidos mancebos, cujo compromisso era apenas o dolce far niente, privilégio da juventude. A assiduidade dos encontros era tanta que os abtués passaram a integrar um grupo, carinhosamente apelidado de turma da Savassi. Eram tamanhas as peripércias dos intrépidos rapazes que chamavam a atenção da sociedade. Foi este grupo que acabou por popularizar a região e a carinhosa alcunha.
O músico e compositor Pacífico Mascarenhas viveu os áureos tempos de footing ao pôr-do-sol: “Eram horas intermináveis na porta da padaria. A turma ficou conhecida na cidade por freqüentar festas sem convite. Tínhamos um amigo que trabalhava na cervejaria Brahma e telefonava avisando onde haveria entrega de barris de chope. A turma comparecia de penetra, elegantemente vestida, de terno e gravata, como manda o figurino”, lembra. Assim, os rapazes freqüentavam as melhores festas da cidade, onde conheciam as mais belas moças. “Participamos da recepção do banqueiro Antônio Luciano com a orquestra Cassino de Sevilha. Em outra ocasião fomos à fazenda do Quilombo do Dr. Louis Ench, à época presidente da Belgo Mineira. Lá eram distribuídos cigarros americanos como o Luke Strike, Chesterfield e Pall Mall.”
Dos bailes e horas dançantes no Automóvel Clube, no Minas Tênis Clube e no Pampulha Iate Clube onde os penetras compareciam em peso, ficaram agradáveis lembranças. A turma era também o terror dos pais das moças elegantes da sociedade: entravam também sem cerimônia em festas particulares das alunas dos colégios Santa Maria, Sacre Couer, Sion e Helena Guerra. “Depois ainda tínhamos a coragem de deixar o número de telefone em um catálogo feito na ponta do canivete na parede de mármore da padaria, para quem interessasse”, confessa Pacífico. Coisas da juventude.As travessuras não param por aí: a turma passava sabão nos trilhos para que o bonde escorregasse e jogava futebol na rua. Bons tempos aqueles de ruas vazias e corações cheios de esperança.
Ainda anos 50, o rock começava a chegar em Belo Horizonte, e a Savassi se firmava como parada obrigatória para a juventude “antenada” com o ritmo. Nesta época foi inaugurado o Cine Pathé. Esse aliás marcou época na Avenida Cristóvão Colombo. Logo logo a turma da Savassi deixaria ali também sua marca de rebeldia: “Costumávamos trocar os letreiros de filmes do Pathé por outros mais picantes, para não dizer pornográficos”, lembra Pacífico.
Espaço vanguardista de BH, a Savassi é berço de várias gerações. Algumas décadas se passaram e novos savassianos, também freqüentadores assíduos do Pathé, passaram a marcar ponto na região. O arquiteto, escultor e designer Paulo Laender lembra-se com carinho dessa época: “Comecei a freqüentar o Pathé e lá fiz minha escola de cinema. Os grandes faroestes, os filmes B e Noir , a aparição do tecnicolor panorâmico e finalmente o cinema de arte.” A história de Paulinho Laender se funde à da Savassi. “Fiz parte de uma turma que se reunia na porta do primeiro supermercado da região : o Servbem. Éramos a turma do Servbem , herdeiros reciclados da pioneira, turma da Savassi, formada por gente de uma geração acima.”
Também marcava ponto lá nessa época o empresário Sérgio Moreira. “Minha relação com a Savassi é muito antiga. Sempre morei muito próximo, na Avenida Bernardo Monteiro. Meus avós maternos moravam na rua Pernambuco, a um quarteirão da antiga Padaria Savassi, e eu estava sempre na casa deles. Meu avô, Antônio Teixeira, me levava muito aos filmes do saudoso Cine Pathé, com meu irmão Beto e meus primos. Com 6 anos de idade, eu já frequentava a região. O Pathé, assim como o Minas, foram uma referência para mim na infância e adolescência. Estudei no colégio Santo Antonio e tive, inclusive, uma loja de discos e equipamentos de som, a Sonora, na Avenida Getúlio Vargas, próximo a Praça da Savassi”, diz.
Logo a loja de discos se tornou mais uma referência para a juventude da região. “A Sonora nasceu como complemento de um trabalho de sonorização que eu fazia para o teatro e festas nos anos 70. Começamos na rua Pernambuco e depois fomos para a Getulio Vargas, que virou um dos points da região. A esquina de Getúlio Vargas com Tomé de Souza era passagem obrigatória da juventude “in” de Belo Horizonte e ainda é com seus bares, livrarias, restaurantes e cafés, aglutinando representantes de várias tribos da cidade”, diz Sérgio.
O tempo passou, a região cresceu, a padaria fechou. Arranha-céus brotaram no lugar dos velhos casarões, construídos para abrigar os funcionários da nova capital, quando da transferência desta de Ouro Preto para BH. Algumas destas casas resistem tímidas, espremidas entre um prédio e outro. O metro quadrado tornou-se concorrido, com a construção de avenidas: artérias pulsantes do coração da zona sul da cidade. No lugar dos trilhos, grandes avenidas de asfalto. O último bonde passou…
Mas o velho encanto da região se manteve intacto. Quem perdeu o bonde da história pode se contentar com o burburinho contemporâneo dos cafés e bares. Sempre um convite ao happy hour. Da Savassi inicial quase nada existe a não ser o sentimento de vida e encontro que a região proporciona. “Continuo a freqüentar seus cafés, suas livrarias. Provincianamente, um tempo depois do almoço junto com amigos em torno do café, cerimônia salutar, quase um recreio no meio do expediente diário. Quase tudo e todos se reciclaram. A única coisa de que sinto falta é do Cine Pathé”, lembra Laender. “É uma região de muita personalidade, que ditou e dita até hoje, costumes e cultura para Belo Horizonte.
Músicas em homenagem à Savassi:
Turma da Savassi (Pacífico Mascarenhas/ José S. Guimarães/ Luiz Mario Barros)
A turma é “mala” “esculachada” dá pernada. / É de tudo “né” de nada./ A turma briga , dá pancada.? Bebe uísque até cachaça.? E prá “dá azar” não ameaça./ Ninguém põe banca com a turma da Savassi./ O povo sabe que esta turma é diferente./ Conquista todo mundo ./ E não “dá bola” “pressa” gente./ Por isso mesmo vai aqui nosso lembrete./ Quando derem um banquete./ E a nós não convidar./ Nunca esquecendo que essa turma de apetite./ Com entrada ou sem convite./ No seu lar vai penetrar.
Praça da Savassi ( Pacífico Mascarenhas)
Será que vai lembrar./ Como era a praça aqui? / Da nossa turma da Savassi./Que ficava tanto aí. / Do bonde cheio que passava./ Do “abrigo”, “banco” e madrugadas./ Das horas que eu esperava./ Meu amor passar…/ Tanto tempo já passou./ Nem por isso eu esqueci./ As brigas, mofas e serestas./ Futebol na rua e festas./ Hoje não tem a turma./ Nem na praça da Savassi mais./ O bairro se modificou./ Aquele tempo passou.
Foto: Reprodução
Texto:
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Belo texto. Gostei muito. Embora não seja frequentador assíduo da Savassi (mora na região norte da cidade), estive lá algumas vezes, frequentei o Cine Pathê e assisti a alguns shows na Status (Toninho Horta, por exemplo) bebericando cerveja.
Valeu Blima.
2017 de muita paz e alegria.
Belo texto. Gostei muito. Embora não seja frequentador assíduo da Savassi (mora na região norte da cidade), estive lá algumas vezes, frequentei o Cine Pathê e assisti a alguns shows na Status (Toninho Horta, por exemplo) bebericando cerveja.
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Obrigada!!!
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