Quem sou eu a cada dia?
Quem serei no meu derradeiro dia?
Aquieto-me à força
Células ainda respiram
Subir paredes? Pra que?
Longos são os dias
Breves são os anos
As entradas do meu rosto
Não aparecem no final de agosto
Mas o espelho grita a cada julho
Pra meu desgosto a carne esvazia
Dois olhos me fitam ao longe
Bem de longe o espelho me vê
Nunca me vi, senão pelo espelho
E em seu reflexo não me reconheço
Quem sou eu a cada dia?
Ergueram-me em letras no educandário
Sementes plantei no canteiro ao lado
Primeira série
Dias contados
E a poeira sobe dos automóveis
Móveis resvalam sua ousadia
Morta enxergarei melhor?
E o sorriso com apatia
Sou pele, ossos e sentimentos
De onde brota essa melancolia?
Formigas andam no chão inerte
Até as pedras sofrem por amor
E se enamoram das suas vizinhas
Santos me olham dos oratórios
Já purgaram seus dias
Francisco e pássaros
Dinheiro não convém
Mas pra pagar uma cerveja até que cai bem
E Luzia segura os olhos na bandeja fria
Sou Luzia. E Francisco também.
Quem guardará de mim os ossos?
No meu derradeiro dia?
Terei fitas e velas?
Anjos diáfanos e sem matéria
Me esperarão na sacristia?
E quem serei depois deste dia?
Terei óculos e rebeldia?
Serei lembrada como princesa?
Ou como a chata escurraçada?
Ou ainda a amiga engraçada?
Apenas uma alma penada? Ou a mulher mais amada?
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Entre o espelho, a alma especular, o derradeiro e lírico narcisismo do lago refletido, surgem perguntas que talvez para sempre fiquem sem respostas: "Quem sou eu a cada dia?", "E quem serei depois deste dia?". Te brindo às palavras-luz. Que elas não ceguem, antes, que projetem novos amanhãs. Carlos Eduardo Leal
Em tempos de pandemia, que nos salve a poesia !