O ET chupador de pneus e outras crônicas, por Blima Bracher - Blima Bracher
Blima Bracher

O ET chupador de pneus e outras crônicas, por Blima Bracher

Era para ser apenas mais uma viagem tranquila, destas que costumo fazer nas entressafras de férias e feriados, pois como dona de pousada, é o que dá pra fazer. Nossa tradicional descida pela Estrada Real, rumo a Paraty, com direito a pernoite em Caxambu.
Não sei se todos sabem, mas o céu da região entre São João del’ Rey e Caxambu é cósmico, bem além da conta. É possível enxergar até oito cores: do azul escuro ao rosa chá, passando pelo dourado, roxo, lilás, vermelho e prateado. Lá por aquelas bandas, em Baependi, nasceu Nhá Chica, uma beata de grande devoção popular. É lá também que fica a região de São Tomé das Letras, Carrancas e outras estradas onde existem vários B.O.s de aparecimento de OVNIs e outros seres elementais. Sei disso, por que, quando era repórter, fui cobrir sobre o que havia acontecido com a cidade de Varginha 20 anos depois do aparecimento dos supostos Ets.

Teriam sido três, mais um chupa-cabras que sugou todos os animais do zoológico local e passou uma infecção misteriosa ao sargento que foi recolher os bichos mortos, e que também veio a óbito, aos 23 anos, apenas dois dias depois do acontecido.
Como repórter, tive acesso aos boletins da polícia local e li com muita atenção a sucessão de fatos bizarros: carros que paravam de funcionar, luzes avistadas no céu, pedaços de supostas naves achados no campo, etc.
A entrevista com a mãe das moças que teriam visto as tais criaturas foi difícil. Ela não queria falar. Teve horror de me dar entrevista e reviver o que as filhas passaram. As meninas ficaram estigmatizadas na cidade e tiveram que se mudar de lá, tamanha a hostilidade da população para com elas. Foram tratadas com bruxas.

Sem contar os americanos que vieram para a cidade e recolheram tudo, até o corpo molenga que deu entrada quase sem vida no hospital local. Tudo com foto, hora, assinatura do policial. Tudo oficial.
Ou seja: pode ter sido o cruzamento de uma cabra com lobo, mas alguma coisa estranha aquelas três viram. Até eu senti medo.
Na hora de dormir no hotel, duas camas de solteiro, pois o câmera dormiria em outro quarto, claro. Cismei que havia um olho vermelho me encarando em um dos cantos do quarto. E se um ET resolvesse se aboletar na cama ao lado?

E esta nem era a matéria principal. Fui escalada para cobrir a final masculina de vôlei, e, se desse tempo, deveria voltar ao assunto dos Ets que movimentavam a economia da cidade até então. Hambúrguer do ET, Lavanderia do ET, Sacolão do ET…

Meu Deus, no dia seguinte tinha entrevista com o Comandante da PM. Eu seríssima , com meu terninho oxford verde. Ele começou dizendo que lá pela altas da madrugada uma senhora de 77 anos que havia tomado todas numa festa que acontecia no salão dentro do zoológico, foi vomitar na janela e deu de cara com um chupa-cabras. Eu não me contive. Nem diante do bigode alinhadíssimo do militar. Imaginei a cena e cai na gargalhada. Uma coroa malucona vomitando e vendo uma criatura chupando o pescoço das aves indefesas.

Pois bem, contava esta história para Ricardo e continuávamos a viagem, até que começamos a enxergar os famosos silos que existem naquela região. silos de grãos, que, naquela hora, à tardinha, começavam a acender as luzinhas e mais pareciam naves espaciais levantando voo.

Foi quando disse a Ricardo:
– E se um ET grudasse agora na nossa traseira?
Ricardo riu meio de lado.
Ouvimos o barulho dos grãos caindo tipo uma chuva forte e concentrada nos silos e, de repente, um barulho como se alguém pulasse na traseira do carro. O pneu falhou e o carro desgovernou para o acostamento. Não vimos buraco nem nada. Mas Ricardo deduziu se tratar de um.
Bora trocar pneu. Nesta hora nada funciona: a chavinha que segura o estepe na traseira do Suzuki emperrou. Mulher é batata. Disse pro Ric:
– Tá empenada esta m* aí.
E tava mesmo.

Ele teve que quebrar a fechadura. Destravou os parafusos. Eu colocando triângulo, pois já estava bem escuro. Com uma lanterninha de celular e sinalizando aquelas jamantas enormes carregando colhedeiras de grãos. ninguém parou.

Minto. parou bem no meio da faixa um senhorzinho com outras quatro velhinhas oferecendo ajuda.

– Meu senhor, o senhor ajudaria bastante liberando a pista…

E gira macaco pra lá e pra cá.

– Cadê a porcaria do macaco hidraúlico, Ricardo?
– Não tem.
Trocamos o estepe.
Seguimos viagem e nem um quilômetro adiante demos de cara com uma pista interditada.

Tivemos que passar por São Vicente de Minas. Aí me lembrei de outra reportagem que fiz: saiu em rede nacional , no Roberto Cabrini e tudo. Pessoas de uma seita misteriosa de São Paulo estavam fazendo lavagem cerebral nas vítimas e elas entregavam tudo que tinham e iam morar na fazenda mãe. Vigiada noite e dia com capangas armados. O Liu, Lionardo Napoleão Lino, nosso UPJ ( Unidade Portátil de Jornalismo), e motorista, tinha uns 2m e pesava uns duzentos quilos. Mas morria de medo. Tinha eu que ir enfrentar os caras e o Welter Mesquita filmar. O Welter, sacana, sussurava atrás da câmera – “o pulso ainda pulsa”. Ele fazia isso em toda situação de perigo que enfrentávamos. Eu só via a câmera sacudindo no ombro dele. E perguntava aos jagunços se podia entrar. Um belo e sonoro “não”. Caras fechadas. E o Liu cismou, que havia carros nos perseguindo o tempo todo.

Pois bem. Contei isto ao Ric e vimos, dentro de um bar, três senhores bem mafiosos que vieram nos espiar. A cidade havia crescido de forma estranha, pra uma cidade de interior. Condomínios e mansões tipo americanos num cafundó onde Judas perdeuas botas. Também vimos uma vitrine onde uns 7 troféus, gigantes, do tamanho de um homem e cada um de uma cor diferente estavam exibidos detrás de um vidro.

Sinistro? Era pouco.
Saímos dali e passamos por Minduri e Cruzília, sem mais problemas.

Já chegando em Caxambu, exaustos e loucos por um banho eu queria conhecer a maravilha do hotel que tinha sido um cassino em 1892. Enorme e cheio de coisas antigas, parecia um casarão londrino do século retrasado. E eu pirando em tudo. A senhora que nos recebeu era lacônica e não dava um sorriso. Nos mandou ao quarto 15. Abrimos a porta e veio uma energia estranhíssima. De modo que eu e Ric paralisamos e não demos nem um passo adiante.

_ Esta sentindo o cheiro?
– Sim…
– Te lembra o quê?
E juntos nos entreolhamos:
– Velório.
– Eu não fico aqui nem que me paguem, disse Ricardo irritado. Você e sua mania de conhecer lugares antigos. Vai pra Londres de uma vez.
Na recepção explicamos o caso e um rapaz com um rabo de cavalo muito comprido e não esboçou espanto algum ao relato do cheiro de velório. “Não vão embora sem antes conhecerem o quarto 24”, disse.

Subimos com ele. Qual não foi minha surpresa chegando lá e vendo que os móveis eram exatamente iguais aos da casa de minha avó materna, filha de coronel do café. Senti-me numa fazenda. Um retrato de uma moça vestida de azul em cima da cama, idêntica à vovó , lá pelos seus 18 anos.

– Vou ficar aqui, expliquei ao Ric que me sentia na fazenda de minha avó.
Tomamos banho. Saímos para jantar e resolvemos ver TV ao voltarmos. Quando voltei liguei o secador, pois alguns pingos de chuva me molharam o cabelo. E puff. Luz do quarto foi embora. Do quarto e corredor. Tomei minha pílula para dormir e alertei ao Ricardo que não me deixasse ali sozinha em hipótese alguma.

Acordei com um dia lindo. O sol batia nas cortinas douradas pelas janelas de pé direito alto. um ar fresco entrava pela janela. E eu me senti como uma menina moça que acordava numa bela fazenda antiga, depois de uma noite tranquila e reparadora de sono.

No dia seguinte, fomos ao Parque das Águas, e antes de seguirmos viagem fomos a uma borracheiro:
– O senhor deve seguir no estepe. o pneu não furou e nem rasgou. apenas esvaziou todinho, como se o ar tivesse sido sugado.
Então tá…Imaginei um ET chupador de ar grudado na traseira e rindo de nós. Cruzes…

Blima Bracher é escritora e vencedora do prêmio Sesc de Crônicas Rubem Braga e uma das dez melhores cronstas do Brasil pelo Prêmio Jabuti 2023

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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