Enquanto girarmos em torno de nossos umbigos, sairemos tontos - Blima Bracher
Blima Bracher

Enquanto girarmos em torno de nossos umbigos, sairemos tontos

Cena do filme "Democracia em Vertigem" indicado ao Oscar de "Melhor Documentário" em 2020

Cena do filme "Democracia em Vertigem" indicado ao Oscar de "Melhor Documentário" em 2020

” Democracia em Vertigem” Oscar 2020

Vertigem: sensação repentina de movimento ou giro sem sair do lugar. Foi exatamente  isso que senti ao assistir “Democracia em Vertigem” de Petra Costa, concorrente ao Oscar de “Melhor Documentário” em 2020.

Como Jornalista que sou, quero aqui colocar a primeira lição que aprendi no curso de Comunicação Social da UFMG: não existe narrativa imparcial, pois tudo que se vê é apenas um recorte da realidade. Todos podem mirar um mesmo objeto, mas, como ninguém enxerga pelo outro, ninguém nunca enxerga o mesmo objeto.

Quero com isso dizer, que aqui cabem os vieses críticos e polarizados que a película desperta. E, como li outro dia: “Nenhum extremista enxerga o outro a não ser que estejam em lados opostos”.

Então vamos a alguns pontos, sem citar nomes, que podem ser vistos no filme: Petra é neta de uma família de construtores que se enriqueceram com a industrialização do Brasil. Porém, como muitos jovens da época, seus pais abraçaram o sonho da igualdade e socialismo tão difundido pela contracultura dos anos 60 em livros, discos, filmes, ídolos e DCEs.

Acredito num movimento pendular do mundo, onde quando se chega a um extremo, tende-se a voltar ao oposto, e este, talvez seja o perigo das polarizações: ficar girando em círculos, sem se avançar em nada.

Petra, em uma das muitas cenas que aparece, gira em círculos numa falsa euforia.

Também são de descrença, os olhos de sua mãe, nos depoimentos dados à filha, como se num passado não muito distante tivessem ficado seus sonhos, sulcados em cabelos brancos e no olhar caído e perplexo.

A própria vida é uma vertigem.

Sobre a Democracia, o termo vem do grego, onde “demos” significa povo; e “kratos”, poder. Seria o “governo do povo”. O termo é oposto ao que seria a Aristocracia, muito embora na própria Grécia, o poder “democrático” fosse exercido apenas pelos homens, enquanto mulheres e escravos estavam fora.

Alguma coincidência com os dias de hoje? Sim. Teoricamente: todos  somos iguais, mas alguns são mais iguais que os outros.

Uma constatação que me ficou do filme de Petra é a de que a Democracia brasileira só existe enquanto financiada pela elite rica o que continua sendo uma contradição em si. Os nomes das empreiteiras gravados nas pedras na ocasião da eleição de Collor são os mesmos que gravados na posterior eleição de Lula.

E os pilares da pseudo- harmonia começam a ruir quando as tetas dos empresários são expostas, deixando de alimentar os governos, sejam eles de direita ou esquerda.

Petra costura seu filme com imagens de família, mostrando a inserção pessoal diante dos fatos que a cercaram.

Cita até que tem a mesma idade da democracia no Brasil.

Particularmente, admiro a intenção de fazer um filme universal, que mostre a confusão dos fatos nas últimas décadas no Brasil.

Uma coisa ficou clara: a cegueira de alguns políticos, agindo como tontos rodopiando ao virar das velas, como se uma imensa caravela à deriva, ora os levasse pra um lado, ora pra outro. Não obstante, os ventos fortes que conduzem esta nau, chamada Brasil, sejam sempre a mamata fácil.

Corajosa, Petra Costa, de colocar sua visão, em narrativa própria, em texto básico e direto, recheado de algumas belas imagens e recortes da infância.

Muito acertada também a cronicidade em que coloca os fatos e as entrevistas a que teve acesso nos bastidores.

O filme nos prende e solta faíscas pra todos os lados, mostrando podres e alguns resquícios de ídolos, não obstante, mostrando suas caras sujas e a lama que corre ao seu redor.

O convite é de que vejam a película.

E a reflexão continua aberta.

“Democracia em Vertigem” pode ser adorado ou odiado.

Depende de que lado do muro você estiver.

Pois, infelizmente, o muro existe.

Mas, talvez o pior não seja o muro, mas sim a cegueira daqueles que se atiram pedras.

Pra mim, qualquer extremismo é, em si, vertiginoso.

Enquanto girarmos em torno de nossos umbigos, sempre sairemos tontos.

E assim caminha a humanidade.

Ou melhor: assim gira, vertiginosamente, a humanidade.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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Eduardo Satlher Ruella

Gostei da posição mais neutra dos comentários… me incentivou a assistir!!

Blima Gomes Bracher

Muito obrigada