Blima Bracher

Dois distraídos na Europa

Embarcamos eu e papai, rumo à Europa. Destino? Alemanha. Apesar de nossas raízes germânicas, não falamos nada do rascante e belo idioma.
Chegando em Frankfurt, o motorista da embaixada nos esperava. “Seu” Paulo, um baiano arretado que fazia domingueiras de samba com as alemãs. Nos hospedamos na casa do próprio embaixador, Cézar do Amaral, já amigo de papai e casado com a querida Maria Lídia Amaral.
Passeamos, flanamos e nos deleitamos. Numa praça medieval, provamos as canecas de chope de um litro e as salsichas com chucrute.
Naquela cidade correu tudo “arbeitete”, muito bem obrigada, mas bastou deixarmos as asas de nossos anfitriões para as coisas começarem a ficar “sem noção.”
Pegamos um trem rumo à Bélgica. Sentamo-nos no, digamos, “vagão de ponta”, bem na frente. Lá pelas tantas o vagão parou. Felizes pela viagem curta. Quando olhamos pela janela, nosso trem havia deixado aquele vagão bico numa cidadela alemã e a parte onde deveríamos estar partiu lépida rumo à Bélgica.
Sim, no fim do mundo, estaríamos fadados a passar a noite naquela estação gelada. Naquela roça germânica ninguém entendia meu inglês com sotaque amineirado. Quem dirá o francês dos anos 70 que meu pai bem fala até hoje.
Viva alma lá pelas 23 horas… Foi quando passou por nós um senhor, loiro e barbudo, a cara do meu avô Waldemar, pai de papai. Ficamos boquiabertos e perseguimos aquela figura “noelesca” pela “gare”. Fotos tiradas, momento registrado, apesar do susto do velhinho alemão, que nada entendia destes dois malucos querendo fotos com ele.
Nosso anjo este dia foi um carioca. Passou por nós pela estação vazia. Ouviu nosso português e nos cumprimentou. E nos disse de um derradeiro trem naquela madrugada, o qual pegamos com a maior sensação de alívio do mundo.
Enfim, Bélgica. Devidamente instalados e acomodados, fomos para a praça maravilhosa de Bruxelas. Conhecemos o museu da cerveja e depois sentamo-nos num restaurante. Naquela noite degustamos umas seis ou sete qualidades de trapistas: La Trappe; Achel; Chimay; Orval; Trappistes Rochefort; Leffe e por aí vai.
A glicose do sangue foi prontamente reposta pelas delícias dos mestres chocolatiers que ficam noite adentro fazendo guloseimas nas vitrines das chocolaterias. Nesta feita fomos de Godiva. Chique, né?
No dia seguinte vimos o pequeno Manneken Pis, o Manequino mijão e saímos selfiando pelas elegantes galerias belgas.
A noite caiu e, devidamente alimentados nos deparamos com um food truck da Häagen Danz. Sorvete vai, sorvete vem, lembrei-me que tinha que comprar aquele líquido de lavar lentes de contato. Só que nenhum taxista queria nos levar a uma farmácia longe do centro, as únicas que estariam abertas àquela hora. Não me fiz de rogada. Comprei uns óculos de ceguinha num camelô e me apoiei no “papi”. Claro que não foi difícil encontrar um taxista solícito, pronto a levar aquela pobre moça tão jovem, mas cega de nascença, coitada.
Agora nos esperava a Holanda e suas ruas lindas, canais, tulipas, bicicletas, barcos moradias e luzes vermelhas.
Descemos na “gare” sem hotel marcado e nos hospedamos num muquifo de coreanos, próximo dali.
Depois do café, subindo sem meu pai no elevador, um grupo de jovens árabes me perguntou quanto eu cobraria para mostrar a cidade… Oou..
E na rua, passeando com papai fomos abordados por um sujeito. Bracher, achando ter sido reconhecido por algum brasileiro parou. A pergunta veio rápida e baixa: _ Do you want some cocaine?
À noite mais trapalhadas nos esperavam no Red Light District. As moçoilas seminuas, com ou sem pipius se exibiam para os turistas. E lá fomos nós, entre os canais, cheios de cisnes nadando tranquilamente. Papai teve a ideia de fotografar os cisnes. Segundos depois do clique fomos mal abordados por um cafetão, que me fez mostrar e apagar todas as fotos. E nos ameaçou: que saíssemos dali imediatamente. Papai ficou revoltado e não quis sair. E eu no maior cagaço. O cara mandou, num inglês com sotaque: _ Só não jogamos este senhor no fundo do canal porque está acompanhado. Socorro, help!
Na França nada de estranho, a não ser a coleção de “parapluies” que papai comprou para enfrentar a geada que assolava a Torre Eiffel. Visitamos lugares do amor mais profundo de papai, que ali morou, recém-casado com mamãe, quando ganhou o Prêmio de Viagem ao Estrangeiro do Salão Nacional de Belas Artes, no Rio. La Rotonde, Montmartre, Louvre, Quartier Latin, Hotel Jardin Le Brea, o mesmo que hospedou meus jovens pais nos anos 70, agora repaginado e bem mais caro…
Ah, e teve uma passagem legal. Fomos ao Moulin Rouge e nos posicionaram no gargarejo, de modo que quase tínhamos que desviar das pernadas das moças. As plumas nos alcançavam. Alguns rapazes pagariam o dobro para ficarem ali.
Agora era a Suíça. Ficamos num instituto chamado Brasilea, na cidade de Basileia ou Basel. Papai ia expor lá, num galpão no porto, destes recuperados para fins culturais. E também lá nos hospedaram num quarto cheio de livros. Lugar lindo, amplo, de quatro andares. Só esqueceram de avisar que havia outro senhor ocupando o quarto andar. Estávamos no terceiro. À noite, comendo queijos e chocolates na cozinha ouvimos barulho. Deixamos o prédio apavorados, afinal porto é sempre lugar suspeito. Entrei num navio pousada, ancorado ali em frente e chamamos a polícia. Daí uns dez minutos chega a “Suate” local, com toucas ninjas e coreografia ensaiada, com armas na mão e até cordas para escaladas. Invadiram o prédio e só constataram que havia queijos e chocalates comidos. Mico leão dourado.
No dia seguinte, depois de algumas cervejas em jantar com amigos, subimos para deitar. Sem avisar papai saí para caminhar a beira mar. E para entrar no galpão? Papai já roncava e eu morrendo de gritar, pois o prédio era trancado com duas portas, tipo caixa forte. Meu Deus, passaria a noite ali? Morta de frio e medo? Foi quando me abre a porta o senhor Felipe, o porteiro, um simpático francês que morava do outro lado da ponte ( que separa os dois países) e uma vez por semana passava a noite no instituto. Para minha sorte, justamente aquele dia. Como dizia meu Tio Décio: _ Meu anjo tem a capa de ouro bordada com rubis!
E chegou a vez de Portugal. Terror. O vôo da Suíça até Lisboa foi terrível e eu paniquei. Papai dormindo e eu sentindo o coração na boca. Chegando lá, nossa conexão sairia em duas horas. Decidi não embarcar. Fui ao guichê e expliquei à portuguesinha que estava passando mal e queria transferir o vôo para outro dia. Foi quando ela me respondeu: _ Para outro dia não há, apenas para amanhã, ora pois.
Precisa mais?

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

Categorias:
Crônicas

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Minha amada querida , adoro a maneira gentil verídica e de Grande humor de seus Relatos ! Sucesso Sempre Bjus

Clayton Sousa

Obrigada querido. Que você leve esta sensibilidade para todos os campos da sua vida!!!

carlos roberto martins

Muito bom Blima. Parabéns pela crônica. Vá colecionando pois certamente será juntada a outras que por certo
virão e resultarão num belo livro!!!!

carlos roberto martins

Muito bom Blima. Parabéns pela crônica. Vá colecionando pois certamente será juntada a outras que por certo
virão e resultarão num belo livro!!!!

Minha amada querida , adoro a maneira gentil verídica e de Grande humor de seus Relatos ! Sucesso Sempre Bjus

Obrigada querido. Que você leve esta sensibilidade para todos os campos da sua vida!!!