Da série: isso só aconteceu comigo nos tempos de repórter. Ser escalada para cobrir o encontro anual de Pessoas Portadoras de TOC, ou transtorno obsessivo compulsivo, por exemplo.
E lá fui eu com meu terninho color blocking, microfone em punho e meus fiéis escudeiros Welter Mesquita (na câmera) e Liu (Lionardo Napoleão Lino, como UPJ). Pensando bem, este trio sempre atraiu as coisas mais inusitadas e engraçadas deste mundo.
Um sítio arborizado, um pouco afastado de Belo Horizonte. Recepção com guarita, portão eletrônico. E entramos com a perua da Band (o carro, não eu), por um caminho de pedras, ladeado por grama bem aparada.
Na recepção uma senhora, dessas que só usam tailler, coque, e saltinho 5. Por aqui, estamos numa palestra com Dr. Fulano.
E eu pensava: _ “Tudo tão certinho, que imagens e depoimentos vamos colher?”
Entrando pela porta lateral dos fundos, avistamos um palco e uma plateia compenetrada. “O que havia de tão interessante para ser divulgado, gente?”
Entretida nestes solilóquios quase tropeço num senhor, que ali nos fundos, encostado à parede, plantava bananeira para assistir às falas. Claro: achei meu primeiro personagem. Câmera ligada e, tive que me inclinar para chegar o microfone na altura dele: “_ Nesta posição minhas ideias se organizam melhor, senhorita. Vão diretamente pra cabeça, entende?”
Lógico que sim. Colhi nome e profissão para creditar a fala. Sim, os loucos também trabalham, afinal, o mundo não pode parar. E esse era um maluco beleza. Diferente de uns e outros por aí.
Pausa pro intervalo, e saio à caça de outros bons personagens. Entrevistei uma senhora que só conseguia dirigir dando ré.
Uma outra que acordava às 4h e limpava a casa, religiosamente até às 16h.
Havia um senhor que subia e descia a escada de casa sete vezes.
No pátio muitos piscavam de menesgueio.
Outros andavam e repetidamente coçavam o calcanhar.
Alguns limpavam os óculos demais.
A maioria pulava de pedra em pedra, evitando o gramado (obviamente, para eles, lotado de bactérias).
Notei que a fila para lavar as mãos rodava o corredor.
Os pedaços de madeira dos bancos eram disputados para aqueles que gostam de isolar pensamentos.
Achei um canto e gravei minha fala na matéria (passagem), explicando o que era o TOC. Resumidamente, uma espécie de curto circuito da cabeça, onde os pensamentos invasivos e não desejados, tem que ser neutralizados por uma ação repetitiva, até que aquela ação, repetida à exaustão afugente os pensamentos, num ciclo. Existem níveis de TOC, indo desde pequenas manias como piscar o olho, até situações incapacitantes.
Dizem que coincidências não existem, ou diria que somos cercados por sincronicidades energéticas ( como já escrevi em outra crônica). Digo isso, porque anos mais tarde do relato que aqui relembro, fui autora de uma matéria de capa da revista Encontro, onde pude entrevistar a atriz Luciana Vendramini. Luciana passou mais de 15 anos afastada das novelas e palcos, porque chegou a um nível de toque extremo, subindo e descendo o elevador de casa durante uma noite inteira, tendo que entrar e sair do carro, até conseguir abrir a porta do apartamento sem nenhum pensamento “impuro”.
Triste, né?
Mas voltemos à matéria que eu fazia pela Band. Antes de ir embora e já me dando por satisfeita, me aborda um distinto senhor, com terno alinhado e ares aristocráticos:
“_ Não vai me entrevistar?”
“_ Me desculpe, moço, mas já temos a matéria.”
“_ Mas a minha história é a mais interessante de todas”, arqueou a sobrancelha. E continuou: “ Eu sou cleptomaníaco, mas não um qualquer, eu roubo candelabros nas catedrais de Roma.”
Arregalei os olhos e olhei pra minha bolsa, no que ele prontamente se ofereceu: _ “Quer que eu a segure pra senhora?”
“_ Minha bolsa? Imagine”, no que o Liu, nosso auxiliar delicadamente piscou e a guardou com ele.
Apressamos o passo rumo ao carro de reportagem. Foi então que o senhor gritou: “_ Não fica pra noite? É a maior putaria, todo mundo pega todo mundo.”
E voltamos, um pouco mais loucos, para a redação da tv.
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