Já dizia Dorival Caymmi
“Você já foi à Bahia, nega?
Não?
Então vá!
Quem vai ao Bonfim, minha nega
Nunca mais quer voltar
Muita sorte teve
Muita sorte tem
Muita sorte terá
Você já foi à Bahia, nega?
Não?
Então vá!”
Pois há quatro anos eu e Ricardo pisávamos essa terra sagrada. E foi justamente na sacristia do Bonfim que dissemos nosso “sim” em sacramento ao casório, numa tarde ensolarada e quente.
Quatro anos depois, voltamos a pisar esse solo santo e, aqui, faço um modesto roteiro do que fazer pra se imergir nessa imensidão de bençãos
2) Ali mesmo, no Pelourinho, assista na terça à noite ou no domingo pela manhã à missa na Igreja do Rosário dos Pretos. O ritual é católico, mas tem muito sincretismo, pois as canções são tocadas ao som de atabaques e as danças lembram movimentos dos terreiros e religiões de matrizes africanas.
3) Faça um penteado afro e sinta o gosto de ser baiano.Depois prove uma moqueca no “Sorisso de Dadá”
4) Entre num boteco autêntico, no pé do elevador Lacerda e veja a instalação de bebidas e fumos nativos.
5) Veja a vista do Elevador Lacerda
6) Coma do Mercado Modelo, no restaurante Camafeu de Oxóssi, tendo a varanda com a bela vista do mar baiano com a ilha de Itaparica ao fundo. Perca-se entre as barracas e traga pimentas divertidas como lembrança da Bahia. Compre amuletos de sorte e permita-se vestir-se como uma baiana.
7) Visite a Casa de Jorge Amado e Zélia Gattai no Rio Vermelho. Os móveis e objetos pessoais estão por lá, com um toque museológico e artístico dado pelas instalações de Gringo Cardia.
8) Depois da visita à Casa do Rio Vermelho, desça até a praça onde é servido o acarajé de Cira (o mais famoso da Bahia). Não deixe de comer o bolinho de estudante, ou “punhetinha”, espécie de bolinho de chuva feito com a goma da mandioca.
9) Se perca entre o casario barroco e colossal, sentindo o cheiro de dendê e curtindo o sotaque envolvente que sai pelas janelas. Visite lojinhas de bibelôs e curta o melhor da Bahia: seu povo lindo e acolhedor.
10)Visite o Terreiro de Jesus, onde se aglomeram cinco Igrejas Barrocas, entre elas a de São Francisco de Assis, a mais rica em ouro do país. Detalhe para o Pátio interno em azulejos portugueses. Em frente tome um chope ou um sorvete sentindo a alegria no ar. Se emocione com o barroco das imensas Igrejas e o colorido das casas.
11) Visite a Igreja do Bonfim e amarre uma fitinha com três pedidos.
12) Compre joias de creoulas, como figas e amuletos para cozinhar bem, como abacaxis, milhos e outros apetrechos. Dá certo, viu?
13) Fique de olho no calendário de festas do sincretismo religioso. Se der sorte, pode visitar um terreiro num dia de festa. Ou agendar uma consulta com o pai de santo. Além de banhos de descarrego e bênçãos maravilhosas. Os rituais para os orixás nos terreiros servem como belíssimo espetáculo, como o da Casa de Iemanjá, dia 2 de fevereiro. Já dia 4 de dezembro a festa é de Santa Bárbara (Iansã), com saída da procissão da igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no Pelourinho. Veste-se vermelho em homenagem a Iansã. Logo em seguida, dia 8 de dezembro, é comemorada Nossa Senhora da Conceição (Oxum). A festa é em frente à igreja de Nossa Senhora da Conceição da Praia, ao lado do Elevador Lacerda. A Lavagem do Bonfim homenageia Oxalá e acontece na segunda quinta-feira de janeiro depois do Dia de Reis (6 de janeiro). Fora da temporada de verão, uma festa bacana é a de Cosme e Damião (os gêmeos Ibejis, filhos de Xangô e Iansã), dia 27 de setembro. Por toda cidade organizam-se carurus, comida de Santo que é feita com quiabo, mas, na Bahia, vem sempre farta servida com tudo que se tem direito. Toda segunda –feira, é dia de assistir a missa na Igreja de São Lázaro e São Roque, uma das igrejas mais antigas de Salvador; e que fica no Alto das Pombas, no bairro da Federação. Estes santos sincretizam os orixás Omolu e Obaluayê, ligados à cura de doenças. Na saída tome um banho de pipoca pra trazer sorte e felicidade.
14) Desça o Elevador Lacerda e atravesse de balsa ( R$ 7,00) até a Ilha de Itaparica. São 40 minutos de travessia e as balsas saem de hora em hora. Itaparica tem praias lindas, água quente e boa comida.
15) Visite o Farol da Barra
16) Veja o show dos capoeiristas
18) Viste as praias mais distantes como Stella Maris, Busca Vida, Ondina e se deleite com as caipifrutas à sombra das amendoeiras!!!!
19) Se hospede no Convento do Carmo, hoje administrado pelo grupo Pestana. A construção de 1586 abrigou os monges Carmelitas. No Século XVII foi quartel general português e onde os holandeses assinaram a rendição. A construção é sólida, tem dois claustros ( um deles com mais de 200 apartamentos) e uma bela piscina. Também abriga duas Igrejas e duas capelas.
Fiquem agora com minha crônica, reconhecida, nacionalmente, com o Prêmio Sesc de Literatura Rubem Braga:
“Cana na Bahia, Ouro em Minas
A riqueza da cana espalhou melado pelas ruas de Salvador. A Bahia é açucarada, o baiano doce. Lábia de mel. Envolventes e grudentos como calda quente.
Não sei se é legal ser negão no Senegal, mas na Bahia o orgulho black é massa. Lindos crioulos desfilam sua baianidade nagô com contas coloridas nos cabelos e sorriso branco nos dentes.
Descem as ladeiras do Pelô tocando tambores. O ritmo acorda cada célula do corpo.
Sobe aquele arrepio na alma, que por alguns instantes justifica qualquer vazio de existência.
Vivemos para ouvir este batuque e isso vale a vida.
Como presenciar uma cena linda, um instante de um filme, uma foto, um olhar, um perfume. Arrepio gelado nas costas. Átomos corpóreos vibrando juntos. Choro compulsivo de alegria.
Fucei cantinhos sujos e queridos pelas ruas do Pelô: botequins enfeitados com samambaias, balcões protegidos por santos e orixás, garrafadas que prometem de um tudo.
Placas indicando salões de penteados afros. Letreiros apagados pelo tempo. Casas despedaçadas, mas ainda assim vibrando em cores. Amarelos, rosas, azuis e verdes, tons de pocilgas dos textos de Jorge Amado.
Senti o perfume de Dona Flor.
Descobri que sou filha de Oxum com Iansã. Amarela e vermelha na alma.
Dancei na missa afro do Rosário dos Pretos.
E queimei a língua com a pimenta de Dadá.
Provei o acarajé de Cira. E os bolinhos de estudante de Dinha. Também chamados de “punhetinha” entre os meninos.
Passei uma tarde em Itapoã, na companhia de Gessy Gesse, “Iansã da minha vida”, como dizia o poeta. E porque não dizer, em companhia de Vinícius? Toquei sua guia branca de Oxalá, ainda pendurada na parede.
Resgatei uma dívida comigo mesma, desde criança. Prometi que voltaria para decifrar aquela espiritualidade mestiça e voltei pra receber as bênçãos do Senhor do Bonfim.
Baianos são alegres e solares como o açoite do corte da cana. A dança do Olodum com tambores levantados lembrou-me tempos imemoriais de colheita nas lavouras escravas.
Volto pra Minas e sinto o contraste dos frutos desta escravidão. Mineiros são contidos, escondidos em minas escuras, nos recônditos cantos da alma.
Meandros esburacados e tesouros escondidos. Sorrisos de lado e muita reza pra calar a boca.
Cresci ouvindo que “quem fala muito dá bom dia a cavalo.” Sinônimo de “não conte onde achamos outro veio de ouro.” E me lembrei dos baianos falando pelos cotovelos com cavalos, cachorros e espelhos.
A alma mineira e “sussurrenta” das procissões contrasta com o profano das festas carnavalescas. Breves momentos despudorados escondidos atrás de máscaras e fantasias. Êxtase liberto em pequenas porções anuais.
E, nós mineiros, seguimos rezando terços e murmurando rosários.
Despudoradamente tristes e contidamente alegres. Nem por isso menos lindos. Mais profundos e tortuosos, com certeza.
Mineiros rezam em suas festas.
Já dois baianos juntos, com um tambor, fazem a festa.”
Fotos de Ricardo Correia de Araujo e Blima Bracher. Texto: Blima Bracher.
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