Crônicas

Você se alimenta da minha angústia

Para acariciar este teu ego manco. Reflexo mal resolvido das decepções, que macula sua alma obscura. Não sou Bruma, nem Bruna. Sou Blima. Com um “i”, bem mais alegre que os “us” das anteriores. Mas o “i” é uma letra que não figura no seu nome. Por isso não compreende a alegria de um “i”, no meio do nome.


Como um vampiro sedento bebe o sangue de suas vítimas, gosta de sorver o último suspiro de pavor. Como um algoz que exibe sua vítima. Nosferatu se si mesmo.

Aliás seus iguais são vampiros também. Sorvendo a amargura do uísque, ouvindo jazz mal tocado, olhando a amargura das garçonetes tristes, se alimentando dos cabelos alisados das promotoras de Jose Cuervo ou Red Bull. Moças tristes. Mal vestidas em suas roupas ridículas de Papai Noel ou Coelhinho da Páscoa que trazes pra mim um sorriso falso no meio do bar.

E quer que eu te salve deste antro de miséria e amargura que vê a vida passar nas calçadas dos botequins. Quer que eu te prove que pode ser salvo. Acontece que o preço da sua prova esta alto demais.

Quer que eu vá atrás de você nas sarjetas lamber tua auto-estima metralhada. Me exibir aos seus pares, como uma lebre no meio de lobos. Pra depois, deixá-la abandonada no meio da arena. Coliseum de horrores.

Acontece que sou Davi, que venceu Golias. E, afogada pelo soluço da espera, tirei proveito da situação. Vi como a vida de seus amigos se resume ao vazio desta rotina de espera nos botecos. Pessoas mal amadas, escondidas debaixo de seus óculos de grau ou sol e suas roupas perfumadas.

Quantas Marias, Joanas e Blimas cruzarão seu caminho?

Ainda te vejo belo, como um marido é, segundos antes de entrar em casa, com seu colete e relógio de bolso, seu bigode e sua manga dobrada. Te vejo como um personagem rodrigueano, deixando o escritório à tarde para encontrar sua amada numa pocilga com papel de parede lilás.

E ainda te vejo puro, como um filho nos braços da mãe. A rosa com espinhos de Barbacena. O louco manso que nunca esteve no hospício.

Guardei sua piteira amarelada, que usa para manter os dentes brancos. Lavei sua camisa manchada de geléia de jabuticaba.

Hoje é sábado. Estou sozinha no meu apartamento.
Vou comprar sacos de plástico pra jogar meu lixo fora. Vou comprar papel higiênico e pasta de dentes. Comi delivery, pois
cozinhar pra mim mesma não dá.

Vou limpar minha casa, lavar minha alma. E quem sabe te perder de vez pros nosferatus que te sugam.

Aqui estou eu, livre dos vícios, recolhida no amparo da tv. Já você, está arrastado no chão, enganado pelas tampas de uísque. Boas no primeiro gole, mas amargas no fundo da alma.

Segue teu caminho. Ganhei uma crônica, uma camisa e uma piteira. E algumas lembranças de tardes alegres. Acontece que amor pelas avessas é ódio.

Perdi uma paixão, mais oito meses de vida e alguns pedaços da minha reputação. Mas paguei feliz este preço.

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

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