Fui aquela que descia a Antônio Aleixo, depois do expediente na Álvares Cabral e sempre parava na confeitaria Bendita Gula para comer um bombom de morango. Depois, alcançava a Drogaria Araújo e bebia água de bolinha, como chamamos, em casa, água com gás.
E por alguns meses, talvez um ano, aquela era minha rotina, e de tão repetitiva e doce, a julgava infinita.
Estava buscando meus “eus” para escrever esta crônica, foi quando me deparei com as palavras da mestra Clarice Lispector: “Continuo sempre me inaugurando, abrindo e fechando círculos de vida, jogando-os de lado, murchos, cheios de passado”
Confesso que invejei a força desta sagitariana. Claro, quem mais poderia inaugurar e fechar círculos com tanta facilidade e desprendimento quanto os centauros, com sua flechas em riste, pernas de besta e cabeça de homem para correr atrás de seus objetivos?
Mas eu, não passo de uma canceriana, andando de lado, me esgueirando em buracos.
Como ter esta força de me reinaugurar tão facilmente? Talvez apelando para meu ascendente em áries?
Fato é que me guardo todinha em ciclos que vivi, como colecionávamos filmes em fitas de rebobinar, e , a qualquer momento pudesse reviver tempos passados, como que se por alguma mágica, em algum universo paralelo, eu existisse daquele jeito, como fui, como senti, como me vesti, como amei, com amigos que deixei pelo caminhos. Eles estariam todos lá, esperando por um descuido de Deus, que pudesse nos descortinar aqueles pequenos pedaços de vida que durante alguns meses ou anos foram rotineiros e julgávamos eternos, por tanto amarmos aqueles tempos.
Já fui aquela que saia à meia-noite da Band, pisando fundo pela Avenida Raja Gabaglia, louca por uma banho e uma cama. E já fui aquela que parava com os meninos da reportagem, câmera e UPJ para fazer uma fezinha no bicho entre uma pauta e outra.
Mas mudamos. E, por vezes, somos lançados como pequenos grãos de areia em meio a tempestade do deserto.
Como se um demiurgo gigante varresse tudo que construímos e ordenasse: – “Comesse do zero”.
Então agora não tenho mais avós, tios, Castelinho.
Tudo isso ficou pra trás, nas dunas de areia que formam o deserto da vida.
Como ter forças para viver de alegrias, construídas amiúde, para depois serem poeira cósmica, em lembranças doídas? Tempos tão reais e palpáveis, que éramos capazes de abraçar e sentir. Alegrias de pessoas e festas. E momentos e cabelos. Como ficava bem naquelas roupas. Como éramos felizes naquela adolescência nos natais da vó Marina.
Todo ano sentíamos o cheiro do escritório do vô Vasco, que se esforçava para que não acordássemos enquanto pegava seus objetos de trabalho no quarto. Quando íamos a Juiz de Fora aquele quarto–escritório era onde eu e Larissa dormíamos. E a alegria não tinha fim.
Até que as areais do deserto da vida começam a se mexer, em pequenos redemoinhos. A princípio como um vento, sem maiores intenções.
Mas quando percebemos, estamos envoltos por poeira que cobriu tudo: gentes, amores, parentes, festas, roupas, paixões. Tudo enterrado à nossa revelia.
Talvez, por isto eu seja o caranguejo, uma canceriana romântica, tentando cavar buracos e, quem sabe, encontrar resquícios daquilo que já fui um dia.
Sou ainda como peixe de aquário, que dei muitos pulos, tentando achar o oceano. E num destes pulos acabei sem ar, morta, esticada na mesa, depois de muito me debater em lembranças e paixões que nunca voltaram.
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Texto maravilhoso
Maravilhoso mesmo!
A histórica se apresenta numa forma como interesse de alguns como poder egoístico e nós absorvemos inconscientemente.
Talvez o conhecimento seja a luz da Compreensão para se atingir à maturidade e termos o poder de sermos nós mesmos.
Ótima crônica para olharmos para onde somos levados.
Adorei a crônica! Tudo com o passar dos anos muda e fica as saudades! Mas já não somos mais aquela pessoa que um dia fomos! Tudo passa seja bom ou ruim! O importante é seguir em frente! Continuando com sonhos, amores, altos e baixos! Como diz o poeta " tudo vale a pena se a alma não for pequena!"