Crônicas

Pedro Luiz, O Erótico. Crônica por Blima Bracher

Pedro era duplo: geminado em si mesmo: se era Pedro, era também Luiz. Era Correia e Araújo. Era brasileiro e também francês. Se apolíneo em camadas geométricas, era abissal e dionisíaco em frenético voyeurismo de corpos.

O santo e o vulcão que se escoram em perfeito equilíbrio. Sem arestas.

Abusadamente, contido no caus.

Apelam-se para ele as fórmulas e equações keplerianas de corpos que se atraem em movimento elíptico, como os planetas ao redor do sol.

Eis aí a pujante força de seu erotismo, contida no recato do desejo, sem nunca descambar para o vulgar, o chulo, o mundano.

Como numa constelação de corpos nus, cada um na tela exerce hermeticamente sua trajetória.

Pedro Luiz Correia de Araújo é Erótico na mais exata geometria astronômica da palavra.

Sim, tinha que ser assim: puro em linhos brancos cortados em alfaiates, mas capaz de debulhar, matematicamente, a nudez humana sem nenhum respingo ou sobras de decimais atrás das vírgulas.

Enquadrar o profano sem absolutamente conjugar o verbo.

Prevaricar, apenas aritmeticamente.

Pedro Luiz nasceu em 1881, na embaixada brasileira na França. Seus pais, a pernambucana, Condessa e embaixatriz Gasparina, e o também pernambucano e embaixador do Brasil na França, Pedro Francisco Correia de Araújo, tiveram ali o pequeno Pedro Luiz, cujo olhar sereno e nobre também espalhava faíscas de curiosidade e mistério. Algo circular que habitava em seu ser.

A Condessa Gasparina, nascida em Recife em 1863 era moça de fino trato. Atenta à moda da meca parisiense, tinha todos os aparatos de luxo para realçar ainda mais sua beleza. Os olhos cor de violeta eram adornados com tiaras cravejadas de brilhantes. Sedas e rendas cobriam os espartilhos e anquinhas. Sua classe e formosura ganharam fama de Recife a Paris.

Não raro, o marido, orgulhoso, a levava ao retratista e sob o forte clarão de luz, Gasparina inclinava o pescoço, adornado em fita de veludo com um pingente na ponta. A pele alva e fina. Os cabelos castanhos, penteados nos mais finos coiffeurs e coqueluches.

Sim, podia esbanjar: charme, riqueza, nobreza. Amava o farfalhar das anáguas de seda fazendo-lhe cócegas nas corridinhas entre um aposento e outro da embaixada.

Paris era a capital do mundo e Gasparina era poderosa em tons de branco, rouge e violeta. Gostava quando um colar se debulhava em pérolas. Juntava-as todas e acorria ao joalheiro transformando-o em nova peça, na companhia de esmeraldas e rubis.

Desta vez, de volta para o Brasil, o vapor trazia às terras pernambucanas mais um membro dos Correia de Araújo.

Era hora do pequeno Pedro Luiz conhecer suas verdadeiras raízes. As terras de açúcar em Recife, os casarões seculares e as fazendas só percorridas em galopes.

Além disso, o amigo Pedro II, queria os Correia de Araújo por perto. No Brasil do segundo império, as gentes estão exaltadas. Há cheiro de conspiração no ar. O velho amigo, o Imperador do Brasil, o Pedro dos Bragança e dos Habsburgos clama por afeto.

Pedro Francisco Correia de Araújo não era homem de abandonar um amigo. Sabia o quanto o Brasil devia ao Imperador. O berço do pequeno, fora presente de Dom Pedro II, pois que por duas vezes a abastada família dos Correia de Araújo socorreu financeiramente, em outras épocas, os Orleans e Bragança.

Nas feiras de peixes e à beira mar, velhos marujos rabugentos coçavam cachorros a espera de uma sobra da pesca. Os rumores de confusão eram espalhados em gritos e piadas: ­- “ Peixe e camarão, tá podre, mas tá bão”

Pedro Francisco tinha que retomar o comando de suas fazendas de cana. Os engenhos produziam o doce açúcar, melado pelo suor escravo. Dois líquidos, também eram produzidos ali: a garapa para acordar os negros ao amanhecer e a cachaça que ajudava a relaxar à noite.

Pedro cresceu ali, sendo mimado com toalhas de seda e talheres de prata com o brasão dos Correia de Araújo. Observava as retas que garfos e facas faziam em danças comedidas e nobres.

Olhava como o refresco caia das jarras de cristal e o vinho chegava às taças, o movimento contido dos serviçais. Negros vestidos como aristocratas, de perucas cinzas a observarem os senhores.

Tudo eram linhas a cruzar sua mente.

Ao cair do sol, nas senzalas, começavam as danças afros e os candomblés, oferendas, gritos e galinhas gordas criadas soltas no meio dos escravos.

Em panos grossos de tear, as moças se aglomeravam rodopiando, deixando a mostra seios fartos e as coxas socadas. Quando a lua surgia, clarões de dentes iluminavam a escuridão. A fogueira só era acessa no frio, pois que o calor castigava no Recife.

Era ali, que , mais adiante, Pedro Luiz,  descobriria a magia de mais um elemento geométrico: o Círculo.

Pedro Luiz Correia de Araújo, Paris, anos 1920

(Capítulo 1, por Blima Bracher. Para o pintor Pedro Luiz Correia de Araújo, avô de meu marido Ricardo Correia de Araújo)

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

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