Crônicas

O dia em que negociamos com bandidos

  • E aí DR?
    ( o que é DR, pergunto ao investigador que nos auxiliava. -É doutora no jargão da pilantragem) Tendi. Vamos bancar a DR, então.
  • Quero um celular, que seja da sua família.
    ( Passamos o do investigador e o hacker não gostou)
  • Fala alguma coisa DR.
  • Aqui sou eu.
    Silêncio

A qualquer hora esperava uma enxurrada de palavrões na tela no celular. Tínhamos armado uma pequena central investigativa num quartinho em Piau, interior de Minas. Larissa filmando e tela do meu celular para receber instruções de um cara do instagram (o investigador) do Rio e me orientar. Isso com a mão direita, pois com a esquerda .segurávamos os carregadores, pois a negociação durou horas a fio.

Tudo começou numa tarde sabática:

Em Piau tudo tranquilo e frugal, alguns galos afinados, gado pastando e aquele ritual da pipoquinha à tarde, que nos reúne a todos: mamãe, papai, Larissa e eu ao todo poderoso senhor de nossos amores: Valentim. Cercavam-nos três cachorros, Horus, Lira e Rodrigo, altivo, apesar da idade.
E foi assistindo à Netflix, neste recesso familiar que recebo um convite ao celular. Coisa fina: um jantar de inauguração de um restaurante em BH. Algo comum para mim, que, como jornalista, atuei também na área da gastronomia. Então chequei se o local existia, o endereço na Savassi. Tudo certo. Dei meu nome e telefone.

De celular em punho, percebo que minha conta do insta fora invadida. Os fdps do tal convite tavam me stalqueando e roubaram tudo: dez anos de conta, 12 mil fotos que contam um diário de vida, e meu ganha pão como canal de divulgação de notícias imediatas, que não dá tempo de transformar em matéria para a coluna do Portal Uai.

Desespero geral. Havia morrido pro mundo virtual? Teria que começar do zero?

Sou mesmo a Blima Camburão , como me chamavam na equipe de reportagem.

Larissa, do alto de sua calma eterna garante:

  • Vai recuperar. Todos os meus amigos passam por isso. Você não tem a verificação de duas etapas?
  • Não , Lá. Nunca pensei que fossem roubar alguém com um nome tão diferente. Mais alguém se chamaria Blima Bracher neste mundo?
  • Não se preocupe, ( Larissa convicta). Tenho um amigo do Instagram. Larissa tem um canivete suíço de amigos fiéis, todos prontos a ajudar nas mais infames tarefas e todos muito solícitos. Ela tem moral. Perto dela sou um náufrago com o Wilson na ilha deserta.

Foi uma noite inteira tentando os métodos normais de reaver minha conta. Mas os piratas modernos haviam conseguido meu nome, telefone, e-mail, endereço e tudo o mais. Era o fim. Meu insta, meu blog, materias no Google, uma vida de jornalismo migrada pro virtual que cairia como um castelo de cartas.

Pra piorar, o invasor me denunciava como hacker da minha própria conta e a situação inverteu. O insta me botou na berlinda e era eu a ladra da tal assinante Blima Bracher e seus 35 mil seguidores.

Dois dias e nada.

Papai muito triste ficou de plantão pra nos dar força.

Mamãe divulgando alertas em suas redes sociais e rezando pra São Cristóvão transportar bem as mensagens.

Eu recebendo zaps de amigos querendo comprar tudo que os bandidos vendiam em meu nome.

E o amigo de Larissa não avançava em nada. Repetimos umas 15 vezes as instruções do Insta e travava.

  • Larissa, de onde você conhece esse amigo do Instagram?
  • Não conheço, ele me curte há um mês, porque ajudou um amigo em comum a sair dessa mesma situação…

Ixi. E se ele for da quadrilha, pensei.. E sua função fosse stalkear familiares da vítima. O carinha se dispunha a ajudar e roubaria ainda mais dados meus

Minha pula atrás da orelha . Fizemos, eu e papai, um BO. Á tarde, liguei a portas fechadas pro tal amigo.

  • Olha aqui, camarada comigo não precisa ter meios termos? Eu perdi minha conta pra sempre, não é isso?
  • Não, vamos resolver, com certeza.
  • Mas imagine o pior cenário: o cara me tira do mundo virtual. Isso vai pra uma nuvem? Eu procuro a delegacia especializada em crimes de internet? Mando uma carta pro Instagram.?Viajo pros EUA.? Estou disposta às últimas consequências.
  • É uma possibilidade…
  • E qual é a sua nisso, você ganha para fazer esse trabalho?
  • Olha, vou te contar que já fui investigador virtual profissionalmente.
  • Então vamos juntar todos os dados e prints de tela e vamos à polícia.
  • Calma, me deixa tentar comprar a sua conta deles. Ai gelei.
  • Não seria melhor comprar uma panela air fryer de 400 reais.? Daí eles te passam o pix e a gente rastreria ele.
  • Boa, vou fazer isso.

Duas horas depois, Larissa me chama ao quartinho das negociações. O amigo dela havia negociado com os hackers e eles iriam me devolver a conta do Instagram.

  • Estamos com os bandidos do outro lado.

Entrei no papo:

  • E aí DR.

E daí desenvolveu-se um papo longo e tenso, a gente sem saber se o amigo era também membro da quadrilha. Pedidos de números de telefones aqui, senhas ali. Links suspeitos, cheios de armadilhas capazes de hackear a família inteira. Rangeres de dentes atrás da porta, choros no quartinho escuro, cantinhos de unhas comidos, olhares abandonados no espaço.

Microfones desligados e a sensação de todos sermos palhaços.

  • Mas investigador, como você negociou com os hackers.? -Calma que depois que tudo der certo eu conto. ( Isso o tornava mais suspeito de ser um membro da quadrilha).

Foi então que o pirata hackeador começou a obedecer as ordens e finalmente recuperamos o Insta naquela operação cirúrgica.

Depois de silêncios cadenceado, gritamos de euforia. Finalmente vimos a cara do investigador e pudemos agradecer a ele: Rui, o salvador.

  • Eu me fiz passar por um deles, explicou : -Pai, a casa caiu, deu ruim, dá seus corre em outra conta, que essa é da doutora. A mulher é perigosa. Vai derrubar todo mundo.

Nossa, pensamos, que negociador esperto. Usou os mesmos termos do bandido e enganou o hacker com perfis fakes e o caralho a quatro.

Tudo resolvido.

Mas a pulga investigativa ficou pulando na minha orelha: e se Rui era da quadrilha e quis nos ajudar por que viu mesmo que tava mexendo com a pessoa errada.. Um nome manjado. Ou alguém aí mais se chama Blima Bracher. Desconheço.

PS: O tal Rui tem dois e-mails. O dele com a foto real e outro, com a mesma foto , porém com o nome rexmonstro. E esse mesmo e-mail, o rexmonstro, me apareceu durante as negociações com a foto de uma faca na caveira.

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

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