Categories: Crônicas

Me Desculpa. Tiradentes

Dia desses vendo um belo rapaz de óculos pretos me lembrei de um outro que me surpreendia sempre pelas ruas escuras de Ouro Preto,  quando eu me julgava sozinha com meus pensamentos.

Aquele rapaz do passado me olhava de um jeito que nenhum outro me olhou: um misto de irmão e amigo… E lá no fundo, um desejo latente de namorado, que nunca se concretizou.

E me feriu no peito uma saudade tão profunda e fria, que eu já julgava conformada.

Não só dele, mas da época. Daqueles tempos. Aulas de teatro…

Gargalhadas juvenis, atropeladas.

Alegria soluçada. O riso sincero, despreocupado.

O ar invadia os pulmões, sem tropeçar em suspiros.

A vida tinha gosto de sonhos com canela e açúcar.

E o tempo era todo nosso como o recheio de bolo que escorre nos cantos da boca.

Hoje não amargo mais nada. Nem azedo, nem doce.

Caminho insípida pelas ruas de Ouro Preto, sem óculos pretos para me surpreender. E no passado ficaram aqueles olhos miúdos, que se fechavam ao sorrir.

Estou cansada das ladeiras históricas.

Porque até uma filha do berço da Inconfidência se cansa.

Me desculpa, Tiradentes, mas hoje, queria caminhar pelas ruas elegantes da Recoleta em Buenos Ayres. E viver como uma portenha. Com casacos pretos e meias finas. E dançar milongas sob a lua prata. E me misturar aos cabelos negros e suas gravatas. E me recolher aos edifícios finos de mármore e torneiras douradas. E elevadores de pantanas, ao som de Gardel, e rosas na janela.

Ou ainda viver na capital paulista e descobrir boates e inferninhos cools atrás de garagens grafitadas e portões de ferro. E comer massas da mamma e me embriagar de vinho da casa. E sair sem rumo, até entrar num mercadinho e sentir o cheiro de fruta madura  invadindo meus pulmões entupidos de poluição.

E meu desejo eterno de ser Dona Flor e virar baiana no Pelô. Teria uma casa de muitas cores. E móveis de madeira antigos, cobertos com rendas de bilro.  Faria moqueca de siri catado e acarajé. Teria um altar pra Iemanjá, Janaína, a rainha do mar. Às terças iria rezar a missa conga na Igreja do Rosário dos Pretos. E viraria pipoca no Olodum. Depois sairia de bicicleta pelo interior da Bahia, tendo apenas a sombra dos coqueiros como companhia.

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

Ver Comentários

Posts Recentes

Museu Boulieu lança programação cultural do ano

Imagem: Neno Vianna/ PMOP “Aqui está a história de amor de um casal pelas artes,…

15 de maio de 2025

Festur 2025: Ouro Preto celebra o jeito mineiro de ser

De 4 a 6 de junho, turismo, cultura e gastronomia se encontram em um festival…

13 de maio de 2025

Festival da Terra celebra cultura e agroecologia em Maciel, Ouro Preto

Evento acontece neste fim de semana, de 16 a 18 de maio, com oficinas, apresentações…

12 de maio de 2025

Cantor e compositor KK lança o clipe “Mãe” gravado na capital mineira

*O melhor presente de todos os tempos de sempre pra sua Mãe* O KK, ele…

9 de maio de 2025

Contagem regressiva para a nova Unidade de Saúde em Amarantina

Imagem: Neno Vianna/ PMOP A Prefeitura de Ouro Preto está em contagem regressiva para a…

7 de maio de 2025

Casas populares entregues em Ouro Preto

Imagem: Peterson Bruschi/ PMOP Em uma tarde marcada por emoção e conquistas, a Prefeitura de…

6 de maio de 2025

Thank you for trying AMP!

We have no ad to show to you!