Crônicas

Lendas e superstições do mês de agosto

Estava “Seu” Wile Ferreira com a sobrinha sentados em frente de casa, no caminho que liga Ouro Preto a Mariana, quando avistaram um vulto branco seguido por um cachorro. A menina perguntou o que era. “Isso é aparição de agosto, mês das bruxas e do cachorro louco”, respondeu o tio. Então repetiram três vezes: São Bento na água benta, Jesus Cristo no altar, afastai todos os males peçonhentos e dai-me proteção até em casa chegar.

A crença de mês azarado, comum entre pessoas do interior, pode parecer ingênua, mas atire a primeira pedra quem nunca escutou dizer que sexta-feira 13 de agosto é o dia mais agourento do ano. A superstição de mês azarado encontra eco em vários países. Não é à toa que se diz: agosto é o mês do desgosto. Se para muitos o dito popular é apenas rima, alguns torcem o nariz quando o oitavo mês do ano chega. Pelo sim pelo não, os supersticiosos não dispensam amuletos e rituais para espantar o azar do mês do mau agouro. Afinal, como dizem nossos hermanos: Yo no creo em las bruxas, pero que las hay, hay.

O porque da fama do mês ninguém sabe ao certo. Lendas e mitos foram surgindo ao longo dos anos. Para início de conversa, agosto nem existia no calendário romano; julho também não. Foi em homenagem aos imperadores romanos César Augusto e Júlio César que estes meses foram instituídos no calendário gregoriano. “Antes, agosto era chamado Sextilis e até então tinha só 30 dias, mas os puxa-saco de plantão, resolveram lhe acrescentar mais um dia.E quem pagou o pato foi fevereiro que perdeu mais um dia, ficando com apenas 28”, explica o professor Carlos Felipe, especialista em folclore.

Foi também entre os romanos que a fama de mês agourento começou a se espalhar: eles tinham aversão a agosto, período em que a constelação de Leão no hemisfério norte ficava mais visível. Como não sabiam do que se tratava, achavam que era um dragão que passava pelo céu, cuspindo fogo e espalhando maldição.

Crendices à parte, alguns fenômenos da natureza explicam muita coisa. Agosto é conhecido como mês do cachorro louco. Nesse mês, é comum os cães e outros animais como gatos, cavalos, bois e morcegos pegarem raiva. Este é realmente um período onde a doença pode se espalhar mais facilmente, por causa da maior quantidade de cadelas e outras fêmeas no cio. Na disputa os machos acabam brigando, aumentando, assim, as chances de transmissão da doença. Outros ingredientes ainda se acumulam para dar fama de azar a agosto. “No Brasil, é um tempo de muito vento invernal, muitos nevoeiros nas estradas e conseqüentes desastres rodoviários. Também por ser inverno, as árvores não ostentam belas folhagens. E por ser tempo de entressafra, os animais dão menos leite, o que só faz aumentar a fama do mês. É,igualmente, um período com propensão para doenças respiratórias” explica Carlos Felipe. Isso sem contar as queimadas, comuns por causa do tempo seco e facilmente espalhadas por causa do vento forte.

O mês também tem fama de ser agourento para as noivas. Não é à toa que o número de casórios comprovadamente cai em agosto. Camila Pedrosa Godoi teve dificuldades de encontrar data para casar em setembro, mas preferiu esperar a casar no oitavo mês do ano. “Não sou supersticiosa, mas existe a fama de mês das bruxas. Acho que isso cria uma energia negativa em torno da data. Pelo sim pelo não, preferi esperar setembro, afinal, se algo de ruim acontecesse no meu casamento, ficaria sempre aquela cisma”, brinca a advogada. O que poucos sabem é que a fama de mês agourento para as noivas tem explicação histórica: as mulheres portuguesas nunca casavam em agosto, época em que os navios das expedições zarpavam à procura de novas terras. Casar neste mês significava ficar só, sem lua-de-mel e, às vezes, até mesmo viúva. Os colonizadores portugueses trouxeram esta crença para o Brasil já transformada em ditado popular segundo o qual Casar em agosto traz desgosto.

Explicações históricas à parte, o que não faltam são superstições ligadas a fatos sobrenaturais. Como o próprio significado da palavra diz, superstição é uma crença em presságios tirados de fatos puramente fortuitos. O Brasil, devido a mistura de raças um campo fértil para as mais variadas e aberrantes superstições. O sincretismo da religião indígena animista, do espiritismo africano e das práticas católicas da Europa, moldaram durante estes 508 anos as crendices do povo brasileiro.

Reza o folclore popular que as sextas-feiras do mês agosto, são propensas à visita de lobisomens, que durante a noite devem percorrer sete fazendas, sete encruzilhadas e sete galinheiros. É também nas sextas-feiras de agosto que as bruxas teriam seu fado a cumprir: voar de vassoura com vestes brilhantes, espalhando gargalhadas e pavor pelos ares. Para os mais supersticiosos, o mês oferece ainda outro ponto negativo: de acordo com as crenças populares, no dia 24 de agosto, dia de São Bartolomeu, o diabo consegue enganar a vigilância dos arcanjos e passeia entre os homens. Cruz credo!

Outra fama do mês é de ser ruim para os negócios. Diz o ditado que em agosto começar é no fim do ano acabar. Fato é que a cisma em torno se espalhou tanto que algumas futuras mamães fazem de tudo para evitar o nascimento dos filhos na data. A ginecologista e obstetra Sônia Farah atesta que não raro ouve pedidos de que as cesarianas marcadas para o início de agosto sejam antecipadas para julho, ou ainda aqueles previsto para o final de agosto sejam adiados para setembro. “Contra isso deixo em minha mesa a foto de minha filha linda, nascida no dia 31 de agosto. Mostro a foto e explico à paciente que a fama do mês não passa de crendice popular. Não posso colocar em risco o andamento natural da gravidez por causa de uma simples superstição. E quem se opuser à recomendação médica pode se dar mal. Sônia se lembra de uma paciente que não quis fazer biópsia de um câncer de mama em agosto e adiou muito o exame. Quando finalmente confirmou o problema era tarde demais. Prova de que o bom senso não pode sucumbir à crendice.

Desobedecer ordens médicas é uma atitude extrema e perigosa, mas para aqueles que acreditam no azar de agosto, existem várias maneiras simples de se livrar do mau agouro: é válido colocar uma ferradura de sete furos atrás da porta, um galhinho de arruda na orelha, pedaços de guiné nos bolsos ou se benzer três vezes. Dizem que cortar cabelo em agosto dá azar. Na Argentina os mais crentes ficam o mês inteiro sem sequer lavar a cabeça (azar é de quem se aproximar de um supersticioso argentino). Os cariocas recorrem às bênçãos dos frades Franciscanos. Há quem diga que quebrar espelho dá sete anos de azar, mas se o infortúnio acontecer em agosto são 21 anos de mal agouro.

“Seu” Tito Mendes nunca levanta com o pé-esquerdo durante o mês. No quintal de casa planta arruda, guiné, alecrim e espada de São Jorge. “No mês de agosto junto essas plantas e faço uma grande fogueira, que espanta o azar”, garante. Outro que não dispensa amuletos é Wile Ferreira. “Sou neto de índia e minha avó recomendava usar arruda atrás da orelha ou no bolso esquerdo. Também fumo cachimbo em agosto para espantar o mau agouro e rezo contra aparições sobrenaturais e animais peçonhentos que andam à solta em agosto”, diz. De acordo com Wile, a maldição de agosto seria pior no ano bissexto e durante a lua cheia: “dificilmente alguém que adoece nesta data se recupera”, diz.

Apesar das superstições que passaram de geração em geração nestes 500 anos no Brasil, a tendência é das crendices irem desaparecendo. “Ainda encontramos muita gente que acredita nisso no interior, mas nos grandes centros é mais difícil e acho que a tendência é das pessoas ligarem cada vez menos para estas crenças”, diz a escritora e historiadora Ângela Xavier. Já Wile Ferreira encontra outra explicação para a diminuição das superstições de agosto: “É que com tanta reza as aparições e azares do mês foram sumindo.” Quem estará com a razão?

Para evitar o azar:

Raminhos de arruda na orelha ou no bolso esquerdo

Guiné, alecrim e espada de São Jorge atrás da porta

Saquinhos com sementes de árvores nos bolsos ou no pescoço

Reza e água benta

Ferradura com sete furos atrás da porta

Não cortar o cabelo

Levantar com o pé direito

Não casar, não viajar, não mudar e não fechar negócios em agosto

Fatos que marcaram o mês de agosto:

– Por ironia do destino, foi em agosto que o imperador César Augusto ( que teve o mês batizado em sua homenagem) teve sua maior derrota militar, na Germânia.

-Teria sido em agosto do ano 30 de nossa era, no dia 29, que João Batista foi decapitado, por ordem de Herodes.

– Pompéia foi soterrada pelas lavas do Vesúvio, em 24 de agosto de 79.

– No dia 24 de agosto de 1572 Catarina de Medici ordenou o massacre de São Bartolomeu, que ceifou milhares de vidas na França.

– Em de agosto de 1914, começa a Primeira Guerra Mundial.

– Em em agosto de 1939 teve início a Segunda Guerra Mundial.

– Mais de duzentas mil pessoas morreram nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, quando as cidades de Hiroshima e Nagazaki foram destruídas pela bomba atômica.

-Em Nova York, no dia 6 de agosto de 1890, o primeiro homem foi eletrocutado numa cadeira elétrica

-No dia 13 de agosto de 1961 teve início a construção do Muro de Berlim

– Em 24 de agosto Getúlio Vargas se suicida

– Forças estranhas fizeram com que o presidente Jânio Quadros renunciasse à presidência da República no dia 25 de agosto de 1961.

– Em 22 de agosto de 1976, morre Juscelino Kubitscheck, vítima de desastre automobilístico em circunstâncias misteriosas.

-24 de agosto é o dia das sogras.

A superstição da sexta-feira 13:

Uma das origens de dia azarado teria começado na Escandinávia. Segundo uma lenda local, a deusa do amor e da beleza, chamada Friga (ilustração alegórica, em destaque), cujo nome deu origem às palavras friadagr e friday, sexta-feira em escandinavo e inglês, teria sido exilada no alto de uma montanha quando as tribos nórdicas se converteram ao cristianismo. Para se vingar, Friga passou a reunir-se, todas as sextas feiras, com outras 11 feiticeiras. Da Escandinávia, a superstição espalhou-se por toda a Europa.

Outra reforço à fama de dia azarado vem do relato bíblico da Última Ceia, quando havia 13 pessoas à mesa, na véspera da crucificação de Cristo – que aconteceu numa sexta-feira.

No Antigo Testamento judaico, a sexta-feira já era um dia problemático desde os primeiros seres humanos. Eva teria oferecido a maçã a Adão numa sexta-feira e o grande dilúvio teria começado no mesmo dia da semana.

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

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