Este autorretrato me olhando
Me diz de coisas infinitas. É meu pai em Monssaraz, “Autorretrato aos 28 anos”.
Quem era este jovem, que eu só viria a conhecer alguns anos depois?
A candura ali estampada debaixo de um questionamento juvenil.
Os olhos argúem, talvez as agruras do mundo. Certo medo… O trágico Carlinhos navalhado entre verdes e vermelhos, sulcos de vida e sangue, para sempre a eternizar meu amado pai.
Se um dia não estiveres mais comigo, hei de olhar este quadro e para sempre ele será você presente. Vivo, mais vivo que nunca, na carapaça forte de seus 28 anos, com seus questionamentos e tudo de lindo que já estava ali, escondido, em detalhes ínfimos de expressões tensas, tenras, tenazes.
Teu rosto, pintor, me desnuda também. Lá estou eu. A expectativa de um futuro pai a me anunciar para o mundo, em sua fragilidade imensa e coragem infinita de trazer à vida um novo ser.
Que dom divino, que mistérios trazes? Veio em missão de Deus?
Sim, teu pincel anuncia maravilhas, és um Messias das cores, o mestre das tempestades e mares revoltos ou ensolarados, das janelas entreabertas e seus vasos floridos, dos retratos desnudando almas, a gritar pro mundo nossa ínfima e, ao mesmo tempo tão infinita, condição de humanos.
Debaixo destes olhos, assustados, entre sobrancelhas arqueadas, és tão frágil quanto um suspiro e tão forte quanto Deus.
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