Nunca vou me esquecer do dia em que conheci o velho Lorenzato. Eu ainda menina, fui visitá-lo numa casinha linda, num descampado, cercada por varais, onde uma escultura , em tamanho, natural, representava sua falecida esposa, cuidando dos afazeres domésticos. Eu e minha mãe, ficamos ali admirando aquele ser miúdo, de fala mansa e candura no olhar.
Ele pintou um retrato de papai, o amigo Carlos Bracher. E, até hoje, quando me lembro daquele dia, as lágrimas me saltam aos olhos, como grãos de milho em espiga debulhada.
Compramos pequenos quadros, que detalhavam sua vinda da Itália ao Brasil: uma família embrulhada em casacos pretos, um avião sobrevoando o oceano, um orelhão (que, provavelmente, o tornava mais próximo dos entes queridos distantes).
Hoje recebo este convite para uma mostra deste mestre da simplicidade.
Imediatamente, recordo-me das roupas secando ao sol, numa revoada de tecidos ao vento.
Não me lembro se tomamos café coado em pano.
Mas me dói a alma, uma saudade imensa e profunda daquele irmão de arte de meu pai.
Os artistas são como uma irmandade metafísica.
Se encontram e se identificam.
E eu, como uma filha de artistas, sem dom, porém doída de tanta sensibilidade, fico a admirar estes seres afins.
Pintores, sobremaneira, me comovem.
Com seus pincéis sujos de tinta, o cheiro de terebentina, os panos rasgados em cores e as telas espalhadas no ateliê.
Que me perdoem as galerias e os leilões, mas só quem entra num ateliê conhece a alma do artista. Seus odores suados em gotas coloridas. Nas breves pinceladas. Ora cortantes, como as de meu pai. Ora suaves, como as de Lorenzato.
E vamos nos encontrando nestes caminhos da arte.
Eu aqui, como testemunha deste universo. Tão lindo e tão profundo, em abissais cruzadas de olhares, como quem se reconhece, sem nunca ter se conhecido.
Obrigada, mestre Lorenzato.
Em sua simplicidade não cabe o mundo.
Este mundo é pequeno para sua grandeza.
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