Crônicas

A Bahia imita a Arte

Eu e Ricardo no Pelô, atrás do novo fervo da Bahia:, o Largo do
Convento do Carmo, onde Anitta gravou clipe com a Banda Didá e para
onde se dirigem os antenados moderninhos, bi-polares ou fronreiriços,
malucos beleza e toda gente arretada que quer fuçar os cantos
encantados e cantados da Bahia, onde todos são santos.
Na Baixa dos Sapateiros:
─ A Bahia imita a arte, né não sogrão?
─ Você me chamou de sogrão?
─ Se arreta pae, que hoje num tô pa treta…
─ Sabe me dizer onde ficam uns barzinhos com uma galera na calçada
─ A muvuca?
─ Tu sobe rente aqui ( os gestos secos em pele e osso, mas de energia
forte e melada, como de um bom baiano), vai dá na escadaria de Anitta
( em outros tempos seria a escadaria do Pagador de Promessas).
E entramos num corredor onde só se houvia:
─ Muqueca, pae? Mais uma trincada?
E gente linda e feliz, os tipos mais descolados do mundo. Jovens
baianas enfeitadas com pinturas da Timbalada nos braços, correntes do
mais puro ouro falso, fluorescências e essências exóticas, muita
trança e black power, cabelos descoloridos ou coloridos a enfeitar e
enfeitiçar nossos olhos, caídos por ombros negros, lustrados com o
bronzeado. Gays baianos com correntes e todo tipo de metal reciclado
nas orelhas, purpurina, brilho e sorriso nos lábios , a ostentar
bijuterias locais muito mais lindas e andantes que o fino ouro de
tristes joalherias em shoppings, agora apagados e vigiados como metal
escravizado. Gente alegre e pendurada de miçangas, ora ou outra,
se misturando aos diamantes e marcas famosas de turistas tal como
tesouros sem cadeado. A maior riqueza ali era a energia boa.
Vez ou outra sentíamos um frio gelado a atravessar esquinas. Talvez
fosse o guardião da Bahia, Exú, a se certificar que a festa e a bagunça
estavam, devidamente , nstaladas em seu domínio de vadiagem. Tal como
Vadinho de “Dona Flor e seus dois Maridos”, do gênio mais Amado de
Salvador.
Sentamo-nos em toca mais calma, donde, da calçada, eu com meus olhos de
cronista, podia observar este deleite humano. Aliás, pedimos pirão de
leite, com carne seca e uma boa salada, o que pra eles é um vinagrete
de tomates verdes, pimentões vermelhos e amarelos e coentro, porque na
Bahia até o tempero é dos deuses.
─ Eu vou atender vocês. Meu nome é Wesley, mas podem me chamar de Faraó.
Pois bem, Faraó. E estávamos diante de um baixo e franzino, sem
quinhão pra levar pra tumba.
Faraó atendia as mesas, dividindo a função com Dalila, a sorrindente e
carnuda baiana, como lhes convem abundâncias de dendê, quitutes,
peitos e bundas a balancar no salão ao lado.
Pedi uma rósca de seriguela e chupei aquelas frutinhas, misto de
laranja, manga, caju e mamão, deixando a vodca esquecida no fundo da
taça amarela de plástico.
Foi que então Yansã passou e espalhou a tempestade.
Ai começou o show: todos entramos pra dentro do bar. Nós, como
clientes assentados, e os outros, em pé, a se misturarem em sotaques e
diferentes idiomas e etnias.
Uma descente de índios, com um top minúsculo, a ajeitar a franja e
os mamilos que teimavam em sair pra fora. E eu achando que um gringo
havia sido enfeitiçado por ela, mas notei mão indiscreta do namorado,
também gringo, a apertar-lhe a nádega. O fuzuê era geral, Negros altos
e baianas boas, a se enfregarem, sem querer querendo, pelo salão.
Os tipos mais únicos, ninguém quer ser igual a ninguém. Personalizam
roupas, feitas em velhas máquinas de avós nos sobrados ensolarados,
desfilam corpos de todos os sabores, protuberâncias mil, nos mais
variados tamanhos, tal qual afrodisíacos banquetes e temperos peculiares.
Notei piercings, tipo freio , nos narizes, óculos de acetato grosso ou
armações de metal fosco herdadas de pais e tios e relógios frouxos em braços finos.
Uma família aboletada debaixo de um guarda sol, que agora tapava chuva. A dona gorda, sentada
em duas banquetas, vigiada pelo esposo, magro de vergar. O casal rodeado de
netos ligeiros.
No dia seguinte Ricardo comprou sereia Yemanja´no Mercado Modelo.
Acertou a quadra, eu recebi minha grana do trabalho e bati o recorde
de views em stories.
A sereia virou A Encantada. E um calafrio quente nos subiu os corpos
como que a dizer: vocês estão na Bahia. Chorei, como se alguma energia
ancestral me ligasse àquela terra por reminiscências invisíveis.

Blima Bracher #blimabracher http://@blimabracher http://@blimabracher http://@chamatheoleao

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

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