Tudo é Jazz: desafio de novos rumos, por Biiça Martins - Blima Bracher
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Tudo é Jazz: desafio de novos rumos, por Biiça Martins

Tudo é Jazz deve voltar a acontecer em Ouro Preto: o desafio são os novos rumos para o evento, conta a curadora Biiça Martins

O Festival Tudo é Jazz que leva o nome e a tradição cultural da cidade de Ouro Preto está para ser realizado e foi planejado para ser um grande evento, com proporções maravilhosas para o turismo e a população local. Porém, a nova situação mundial, o caos do Covid-19 exigirá adaptações. Não percamos as esperanças, amantes da música. Nossa curadora Biiça Martins nos conta como tudo começou e pensa em novos rumos para o festival

O Trem da História do Tudo é Jazz

O Festival Tudo é Jazz teve sua primeira edição em setembro de 2002.
Foram os propulsores deste projeto a UFOP através do seu então Reitor, Dirceu do Nascimento, e a empresa GERDAU que juntos vislumbraram com o Festival uma oportunidade de atrair turismo de qualidade para Ouro Preto, não predatório, que respeitasse o Patrimônio Histórico, lotasse os hotéis, restaurantes e bares da cidade, e deixasse divisas para a cidade e com este objetivo, tiveram a iniciativa de nos contratar para realizar este projeto.

O Festival, segundo Marco Antônio Pepino, Gerente de MKT da Gerdau deveria começar pequeno, pensar grande e crescer rápido. A Gerdau colaborou muito com isto, apoiou, pensou junto conosco as edições, trouxe personalidades de formação de ideias, pessoas-chaves para divulgar o evento. Além disto, o apoio institucional era fantástico. O presidente da empresa, Jorge Gerdau veio ao festival todos os anos até a Gerdau deixar de patrocinar em 2009. Tivemos incontáveis personalidades culturais, políticas e empresariais presentes no festival. O então Presidente Lula esteve no festival em duas edições, convidado pelo Ministro do Turismo, Walfrido dos Mares Guia, outro grande e fundamental incentivador. Em 2004 o então Prefeito de Ouro Preto, Angelo Oswaldo de Araújo Santos tornou-se um dos maiores incentivadores do Projeto se tornando uma espécie de embaixador do festival internacionalmente.
O Governo de Minas Gerais sempre participou do festival através da CEMIG, dando sua chancela de credibilidade.


O apoio institucional abre as portas a um projeto cultural.
Este apoio é que nos habilita a buscar mais patronos e discutir ideias políticas de desenvolvimento sustentável e criativo com a sociedade.
Além de abrir portas para parcerias internacionais, fundamentais hoje em dia.

Em 17 anos, o mundo mudou incrivelmente. Nos primeiros festivais, os CDs autografados acabavam rapidamente, agora é diferente, com a tecnologia de streaming através da internet. Hoje, nosso maior veículo de comunicação é a nossa página no Facebook que conta com quase 14.000 seguidores. No início usávamos panfletagens, outdoors, folders, cartazes, itens de colecionadores atualmente. Menos poluição, sem papéis impressos, maior acessibilidade através da internet.

Temos que caminhar sem perder o “trem da história” e este trem tem um destino apenas: inovação, ousadia e novos formatos surpreendentes!
Até breve.
Maria Alice Martins
Curadora do Tudo é Jazz

Biiça Martins, curadora do Tudo é Jazz

Entrevista com Biiça Martins:

Site Blima Bracher: Ouro Preto está carente de eventos de grande magnitude, como o Tudo é Jazz, que marcou época na cidade. O que está sendo feito para que este belo evento volte a acontecer?

Biiça: Este momento que estamos vivendo, nos obriga a repensar o formato do festival Tudo é Jazz, um evento projetado em 2002, que amadureceu até 2008, quando tivemos a primeira crise econômica mundial e com ela a perda do nosso maior patrocinador, a Gerdau e tivemos que criar um novo formato, com novos patrocinadores, saindo do Parque Metalúrgico e ocupando as ruas, o Largo do Rosário, a Praça Tiradentes e outros pontos interessantes. Importava para o festival a quantidade de público para atrair mais patrocinadores. Quanto mais gente, melhor. Quanto mais palcos, mais gente.

Em 2007, ainda com a Gerdau, criamos o conceito de um festival autoral, que criasse concertos próprios e únicos, assim apresentamos Maria Schneider regendo uma orquestra formada por músicos brasileiros com uma única instrumentista canadense, a Ingrid Jensen no trompete; em 2008 criamos um projeto em para homenagear os 50 anos sem Billie Holiday montando uma banda inédita com Bucky Pizzarelli, Mullgrew Miller, Antonio Sanchez, Ingrid Jensen, Ron Carter, Marcus Strickland, Anat Cohen, com as cantoras Madeleine Peyroux e Martnália sob a regência do israelense Oded-Lev-Ari; em 2009 homenageamos Milton Nascimento com um concerto na Praça Tiradentes lotada e tendo como convidados Ron Carter e Wayne Shorter; em 2010 fizemos um Tributo a Louis Armstrong com Jon Hendricks e seu grupo vocal, Arturo Sandoval e os irmãos Cohen; em 2011 fizemos um Tributo a Tom Jobim com a orquestra sinfônica de MG sob a regência de Jaques Morelenbaum tendo como convidados Danilo Caymmi, Paula Morelenbaum, Zé Renato, Paula Santoro e Paulo Jobim. Estes projetos muito importantes foram filmados pela TV Minas e tornados parte da grade da emissora e do Canal Brasil já que cedíamos de graça os direitos de filmagem.

O último Tributo que fizemos foi em 2019 para Dionne Warwick com a neta da cantora, Cheyenne Elliot, Ellen Oléria e Jesuton acompanhadas por uma big-band com a direção musical do Rodrigo Rios que trabalha num grande estúdio de Los Angeles.

Trouxemos para Ouro Preto desde de 2002 mais de 2.000 músicos estrangeiros, o que é necessário para um festival que se diz internacional e multicultural. Isto envolve um período de trabalho de mais de 12 meses para cada edição. Primeiro é feita a curadoria, depois contatamos os músicos para estudar o interesse e a disponibilidade de cada um, depois é feita a negociação financeira, contratos, compra de passagens, logística, assessoria de imprensa, emissão de vistos de trabalho, pagamento dos impostos (com os músicos estrangeiros um total de 47%), definição de locais de ensaios fora e no Brasil, contratação de equipe (no total mais de 250 profissionais).

Na atual “nova desordem mundial”, com o dólar no patamar acima de 5 reais, o cenário para se realizar um evento como o Tudo é Jazz vai nos obrigar novamente a criarmos uma nova proposta.

O futuro para eventos como o festival exigirá mais cautela com aglomerações. Prevejo que usaremos espaços que delimitem o acesso de um público com mais segurança, que este público possa usufruir de mais conforto com assentos confortáveis, boa acessibilidade, menos aglomeração, com serviços de qualidade como banheiros químicos de containers de última geração, palcos para públicos menores, de 300 a 500 espectadores, restaurante e bares no mesmo espaço.

Prevejo um festival que privilegie a qualidade da música, do som, menos barulho, menos gritaria, mais gente sentada prestando realmente atenção ao show. Nada de bebedeira durante os shows ou pulação, vai haver um espaço especial para isto.

Um festival do pescoço para cima ao invés do pescoço para baixo.

Baseados nestes conceitos, criamos um espaço arquitetônico a ser montado no estacionamento do Parque Metalúrgico denominado “Cidade do Jazz”, onde teríamos uma tenda climatizada e preparada acusticamente para 500 pessoas sentadas, um palco ao ar-livre para 300 pessoas sentadas, um espaço gourmet e todos os confortos ambientais que pudéssemos oferecer.

Esta conversa estava bem adiantada com Zaqueu Astoni e o Felipe Guerra. Isto ano passado, antes do tsunami que nos pegou de surpresa.

Além disto, estávamos negociando desenvolver um Centro de Pesquisa de Música Experimental, uma instituição comprometida em promover a criatividade na música, celebrando a música experimental, de culturas diversificadas e mentes transformadoras por trás dela, adotando os princípios básicos para sustentar cursos e workshops anuais para participantes selecionados e aplicar essa abordagem curatorial a eventos, palestras e apresentações em toda a cidade durante o ano.

Foi-nos sugerido pelo Zaqueu Astoni utilizar uma sala no Centro Cultural recém inaugurado onde era a Santa Casa de Ouro Preto. Com esta proposta, o festival estenderia o ano todo suas atividades. Com a saída do Zaqueu Astoni da Prefeitura, estamos aguardando a nova política de Ouro Preto para traçar novos rumos.

Uma certeza nós temos: seja em 2021 ou depois, voltaremos a realizar o Tudo é Jazz.

Site Blima Bracher: Já estão sendo contatados nomes? Poderia adiantar alguns?

Biiça: Havíamos contatados o Miles Mosley que faz parte do Coletivo West Coast Get Down, de Los Angeles, responsável pelo crescimento enorme do Jazz entre a juventude de lá; a cantora Natasha Agrama que também faz parte deste Coletivo; a banda multicultural baseada em Londres Nèrija, só de instrumentistas mulheres, entre elas Nubya Garcia, uma das maiores saxofonistas da atualidade.

Site Blima Bracher: Com a saída do Secretário de Cultura e Patrimônio, Zaqueu Astoni, há algo que possa prejudicar a realização do evento, além da situação grave que o mundo todo enfrenta?

Biiça: Não sabemos que rumos teremos para a cultura na nova política de Ouro Preto. Afinal, teremos eleições municipais em breve.

Prejudicar o evento não acredito que ninguém vá.

Já somos bastante prejudicados com a falta de incentivo do Governo Estadual e Federal.

Site Blima Bracher: Qual a importância para o município de Ouro Preto, uma cidade de grande relevância e tradição cultural, que este evento volte a fazer parte do calendário da agenda da cidade?

Biiça: O Festival Tudo é Jazz leva no nome a cidade que o sedia: Festival Internacional de Jazz de Ouro Preto – Tudo é Jazz. É mundialmente reconhecido como um evento de Ouro Preto. Se não acontecer em Ouro Preto, não acontecerá em nenhum outro lugar. Acabará. Mas temos certeza que temos um evento com força para continuar.

Apresentação da Cidade do Jazz por Associação de Cultura Livre



** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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