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Cintura Fina: ícone da história LGBT ganha biografia

Temida por bandidos e policiais e amada por prostitutas, a nordestina que viveu em Minas Gerais teve vida movimentada, mas morreu no esquecimento

Marilyn Monroe dos detentos, anormal, useiro e vezeiro no uso da navalha. Refinado malandro, pederasta, meliante. Larápio, gatuno, invertido sexual. Famigerado travesti.

Eram essas as alcunhas usadas pela imprensa para se referir a Cintura Fina, a travesti que marcou época na provinciana Belo Horizonte dos idos de 1950. Nascida no Ceará e mineira de vivência, Cintura Fina não passava despercebida. Especialmente nos arredores da boemia dos bairros Bonfim e Lagoinha, ela comprou briga com uns, defendeu outros. Na região, também foi diversas vezes detida. Sua identidade, que transitava entre o que era considerado masculino e feminino, causava incômodo na dita sociedade. Assim, entre conflitos e afetos, entrou para a memória da cidade. Agora, finalmente tem sua movimentada vida retratada no livro Enverga, mas não quebra, escrito pelo pesquisador Luiz Morando, especialista em memória LGBTQIA+. Publicada pela editora “O Sexo da Palavra”, a obra já está à venda no site osexodapalavra.com

A navalha para defender sua identidade

Cintura Fina havia aparecido de forma tangencial durante a minissérie Hilda Furacão, feita pela TV Globo nos anos 1990. Na obra, adaptada do livro homônimo do escritor Roberto Drummond, seu personagem foi encarnado pelo ator Matheus Nachtergaele. Sua presença na memória coletiva deve-se ao fato de que Cintura Fina também foi amplamente retratada pelo noticiário belo-horizontino entre as décadas de 1950 e 1980.

Negra de 1,78m de altura, Cintura Fina era imponente. Alvo de constantes agressões da polícia, foi presença contínua em delegacias devido a seu hábito de não aceitar abusos – numa época em que o preconceito era ainda mais preponderante na sociedade. Para se defender, usava com perícia uma navalha, o que lhe rendeu 11 inquéritos policiais por furto e lesão corporal. Chegou a dar aulas de como manusear o artefato.

Por outro lado, são vários os relatos da época dando conta da solidariedade e generosidade da travesti, sempre dedicada a resolver problemas sociais e de confronto junto à população mais vulnerável, especialmente entre as prostitutas.

Segundo o autor, o entendimento que Cintura Fina tinha sobre sua identidade sexual estava à frente de sua época. “Em 1953, em sua primeira detenção policial na cidade, ela foi levada para a delegacia vestida com traje feminino, maquiada, sobrancelhas pinçadas, unhas esmaltadas, cabelos cortados ao modo feminino. Isso foi uma constante nessas duas décadas. Era ousadia suficiente aos olhos da população e da imprensa, que viam isso como excentricidade e rompimento de regras sociais”, contextualiza.

Assim como ainda acontece com a imensa maioria da população travesti, Cintura Fina não encontrou outra possibilidade de renda senão a prostituição. Anos depois, aprendeu o ofício de alfaiate. Viveu no meio da boemia belo-horizontina e seu nome acabou ganhando holofotes entre policiais, malandros, bêbados e prostitutas.

Ousada para a época, Cintura Fina não aceitava que alguém questionasse sua identidade sexual. Ter a aparência que conjugava traços femininos e masculinos causava estranhamentos na sociedade. A imprensa era cruel no uso dos termos para se referir à comunidade LGBT. As travestis eram “as anormais da cidade”, as lésbicas eram chamadas de “trogloditas”, enquanto “invertidos” era o termo direcionado aos gays.

Nascida em 1933, Cintura Fina morreu aos 62 anos, na cidade mineira de Uberaba, onde passou os últimos 15 anos de sua vida.

O autor

Especialista em memória LGBTQIA+, Luiz Morando é mestre em Literatura Brasileira e doutor em Literatura Comparada, ambos pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Foi atuante em trabalhos de prevenção ao HIV/Aids realizados pelo Grupo de Apoio e Prevenção à Aids de Minas Gerais (GAPA). Professor de literatura brasileira e teoria da literatura, é autor dos livros Paraíso das Maravilhas: uma história do Crime do Parque e Enverga, mas não quebra: Cintura Fina em Belo Horizonte. Também assina diversos artigos sobre seu tema de pesquisa em periódicos acadêmicos e livros. Há décadas se dedica à pesquisa sobre memória e performatividades LGBTQIA+ em Belo Horizonte e Minas Gerais. Seu imenso acervo é composto por artigos, reportagens e documentos históricos a respeito do tema.

A editora O Sexo da Palavra

Situada em Uberlândia (MG), a Editora O Sexo da Palavra nasceu em 2016 pelas mãos do designer Antonio K.valo. Seu intuito é ampliar o espaço para publicações sobre gênero e sexualidade, seja em obras de contos, romances, ensaios, poesias e outros. O projeto é resultado de pesquisa realizada pelo prof. dr. Fábio Figueiredo Camargo, consultor da editora, na investigação do homoerotismo na prosa brasileira pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

Serviço:

Livro Enverga, mas não quebra: Cintura Fina em Belo Horizonte

Editora: O Sexo da Palavra

340 páginas; R$ 58,00

À venda em www.osexodapalavra.com

O autor Luiz Morando em foto de Lucas Ávila
Capa do livro, Editora O Sexo da Palavra
Blimabracher Blima Bracher
Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

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