Em Ouro Preto

Quem foi Hipólita Jacinta, cujos restos mortais serão depositados junto a Tiradentes?

Homenagem à inconfidente Hipólita Jacinta Teixeira de Melo

Dia 29 de abril, no Museu da Inconfidência
O evento: No próximo dia 29 de abril, acontece em Ouro Preto, homenagem à Hipólita
Jacinta Teixeira de Melo, mulher de destaque na luta pela Inconfidência Mineira, sendo a única com permissão de ser chamada de “Inconfidente”.
De acordo com historiadores e pesquisadores da área, Hipólita foi a única mulher a participar ativamente da Inconfidência, que tempos depois, seria considerada um dos estopins da Independência do Brasil.

O início da homenagem será com o descerramento de sua lápide no Panteão dos
Inconfidentes, localizado no Museu da Inconfidência, a partir das 11h.
Junto à lápide de Hipólita será depositada uma caixa com terra da Fazenda Morro Alto, propriedade onde a inconfidente viveu.
No Panteão, também se encontram os restos mortais de outros 16
inconfidentes − todos homens −, incluindo o de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes.

Como o local é pequeno, a participação na cerimônia de descerramento será restrita a
algumas autoridades e veículos de comunicação.
Logo em seguida, acontece no anexo do Museu, mesa redonda com o tema “Hipólita estava lá”, com participação aberta ao público, até o limite da capacidade do local.
O evento contará com as presenças da ministra do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, do diretor do Museu da Inconfidência, Alex Calheiros, das cantoras Zélia Duncan e Ana Costa, do estilista Ronaldo Fraga e da historiadora Heloisa Starling.

Importância histórica e social: O evento tem extrema relevância não só para a história
mineira mas para a história nacional, pois reconhecerá a participação e presença das
mulheres em movimentos que culminaram com a independência do Brasil.
Legitimará, portanto, o protagonismo político de Hipólita Jacinta, a única inconfidente, que durante séculos teve sua biografia esquecida, silenciada, fora das páginas dos livros de história.
Não há sequer um registro de sua fisionomia. Mas, a reparação e justiça histórica serão,
finalmente, feitas
.
Evento correlato: A homenagem é uma das atividades do Festival de História – fHist –
Histórias para não esquecer, que em sua edição especial do bicentenário da independência, traz um resgate das histórias não contadas, silenciadas e, portanto, inexistentes para a memória nacional. O evento tem apoio e parceria do Museu da Inconfidência – Ibram.

Quem foi Hipólita Jacinta

Reconhecimento, ainda que tardio! Nascida em Prados, em 1748, Hipólita Jacinta Teixeira de Melo foi a única mulher a participar de forma efetiva da conjuração mineira – o primeiro movimento anticolonial ocorrido no Brasil. De personalidade forte, destemida e possuidora de grande intelectualidade, Hipólita ousou sair da esfera doméstica e reivindicou seu lugar de fala no meio político.
Com isso, foi personagem de grande importância na Conjuração Mineira, ao colaborar para a comunicação entre os inconfidentes, além de financiar algumas das ações do movimento (já que detinha grande riqueza) e disponibilizar sua residência, a Fazenda Ponta do Morro, para encontros e reuniões dos mesmos.
“Quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas”, escreveu Hipólita ao padre Carlos Toledo e ao tenente-coronel Francisco de Paula Freire, ambos envolvidos no plano militar da inconfidência. Assim, foi de sua autoria a carta dando notícia da prisão de Tiradentes e orientando os conjurados a iniciar o levante militar. Infelizmente, apesar de seu grande esforço e disposição em resistir, a rebelião foi debelada e todos os líderes da conjuração foram presos, inclusive seu marido.
Hipólita não foi presa, mas o governo das minas da época, mandou apreender todos os seus bens. Esse fato mostra que a o governo reconhecia a presença dela na inconfidência só não era dito em público. Afinal, uma mulher coordenar uma revolta desse porte, era
inadmissível (humilhante).
Na esfera pessoal, integrava a elite de Vila Rica. Diferentemente das mulheres do século
XVIII, não se casou “nova”, conforme o costume da época. Seu matrimônio com
Francisco Antônio de Oliveira Lopes ocorreu quando ela tinha 33 anos.
Os dois não tiveram filhos, mas Hipólita adotou o bebê recém-nascido da irmã mais nova de Bárbara Eliodora – as duas eram muito amigas e a adoção foi para evitar um escândalo na família de Bárbara, que não quis assumir a criança.
Hipólita Jacinta Teixeira de Melo.

Por Heloisa Murgel Starling

Até hoje, pouco se sabe sobre Hipólita Jacinta, mas uma coisa salta aos olhos: era mulher destemida. Quando a notícia da prisão de Tiradentes chegou à fazenda da Ponta do Morro, na noite de 20 de maio de 1789, ela não titubeou, não teve nenhuma dúvida. A Conjuração Mineira estava indo a pique e as tropas da infantaria portuguesa enviadas pelo vice-rei, Luís de Vasconcelos e Sousa, chegariam a Vila Rica em poucos dias. Tinha de agir, agir depressa e assumir o risco. Avaliou que ainda havia chance para reverter o desmonte – pequena, mas havia. Precisava consumar a rebelião, declarar a Independência nas Minas e instalar a República. Na fazenda da Ponta do Morro, sozinha, decidiu empurrar a revolta para frente; partiu dela a ordem de dar início ao levante militar: “Dou-vos parte, com certeza, [de] que se acham presos, no Rio de Janeiro, Joaquim Silvério [dos Reis] e o alferes Tiradentes, para que vos sirva ou se ponham em cautela”. E foi em frente: instruiu trazer a tropa do Serro para o lado da sedição, e deflagrar a guerra em vários pontos da capitania. Também foi dura no arremate: “Quem não é capaz para as coisas, não se meta nelas. E mais vale morrer com honra que viver com desonra”, escreveu.
Talvez o mais surpreendente seja isso. O propósito da mensagem de Hipólita aos lideres militares da Conjuração era dar inicio à resistência armada. E ela sabia que seria escutada por eles. Aliás, como foi escutada por padre Toledo que seguiu à risca as instruções de Hipólita.
Quando a Conjuração desandou e o clima de medo generalizado se instalou, o visconde de Barbacena, governador da capitania, começou a disparar – e Hipólita Jacinta não iria escapar. Ele concebeu uma punição exemplar – e cruel – para a mulher que se achava dona do próprio nariz, ao ponto de planejar a Independência das Minas. Ordenou o seqüestro total dos bens do casal sem direito a partilha conjugal. Sequestro é o processo em que se faz a descrição, avaliação e partilha dos bens de uma pessoa presa pelo crime de Inconfidência e serve para identificar o conjunto de pertences a ser canalizado para os cofres da Coroa. Barbacena apreendeu-lhe inclusive sua herança paterna, a fazenda da Ponta do Morro e tudo que estava dentro da propriedade: lavras minerais, utensílios de extração do ouro, engenho, instrumentos agrícolas, animais de criação, gado, o
plantel de escravizados; além do mobiliário e da prataria. Entre as esposas dos conjurados, só ela foi penalizada dessa forma. Perdeu tudo.
Mas há algo desconcertante na ordem de seqüestro emitida pelo governador. Não existe acusação formal contra Hipólita. Ao avançar sobre os bens daquela que diante da justiça do rei seria apenas mais uma entre as esposas dos conjurados mineiros, Barbacena quebrou o silêncio mais profundo do relato sobre a história: admitiu a presença de Hipólita no centro do acontecimento político e fez dela uma inconfidente. A perda total de seus bens sem direito à meação conjugal estabelecia com nitidez o crime de Inconfidência praticado pela única mulher com protagonismo político na Conjuração Mineira.
Mas também impressiona o modo como Hipólita enfrentou a Coroa portuguesa no seqüestro de seus bens após a derrota da Conjuração. A engenhosidade de Hipólita foi precisamente manobrar ao seu favor a lógica corrupta que estava inscrita no próprio funcionamento da gestão dos negócios do reino e suas colônias. Ela não apenas agiu segundo suas próprias regras, mas também virou ao avesso a lógica corrupta da administração portuguesa. Esse posicionamento intransigente, obstinado e corajoso tornou-se marca constitutiva de sua trajetória. Tem fundamento. Afinal, dez anos depois, Hipólita tinha recuperado seu patrimônio: os bens que lhe ficaram de herança paterna, as propriedades do marido.
Hipólita morreu em 1828 e as idéias de Independência e República faziam parte de sua vida – como testemunhas de si mesma. E o relato que se faz com sua presença e com a coerência de sua ação alarga e renova a compreensão do acontecimento histórico: a Conjuração Mineira é também o que acontece com uma mulher, ao final do século XVIII, de inequívoco protagonismo político. Em torno de Hipólita não gravitam versos líricos, nem existe uma historia de amor, como aconteceu com Maria Dorotéia Joaquina de Seixas – a mais conhecida entre as “Marílias” de Gonzaga –, ou com Bárbara Eliodora, esposa de Alvarenga Peixoto. Seu nome tampouco evoca o enredo meio clandestino de uma paixão e de uma família fora da norma e dos padrões, como a que viveram Cláudio Manuel da Costa e Francisca Arcângela – a negra pobre que o poeta amou até o fim da vida, mas nunca teve a coragem de assumir em público. Surpreendentemente, ao redor de Hipólita, só existe política. Então, é preciso que a sua aparição no mundo público, em 1789, se faça história. Fazenda Ponta do Morro em Prados, hoje em ruinas

Blima Bracher

Blima Bracher é jornalista, formada pela UFMG e Engenheira Civil. Trabalhou doze anos em TV como repórter e apresentadora na Globo e Band Minas. Foi Editora da Revista Encontro e Encontro Gastrô. Escritora, cineasta e cronista premiada.

Ver Comentários

  • Parabéns pela preciosa reportagem, que é um verdadeiro tesouro do jornalismo. É sempre gratificante ter notícias de mulheres ilustres que se destacaram no meio masculino, recebendo o justo reconhecimento. Obrigado!

  • Ótima matéria. Não fosse esta reportagem, não saberia deste protagonismo histórico da inconfidente Jacinta Hipólita. Antes tarde do que nunca. Frente a fala de Zema em relação aos inconfidentes, veio em.boa hora este resgate histórico.

  • Já sabia um pouco da história de Jacinta Hipólita, pois nasci em prados e honra-me muito ser conterrâneo dela.

  • Na verdade, há um equívoco no título da matéria (e também nela própria), pois, segundo lá se diz, Tiradentes supostamente estaria sepultado no Museu da Inconfidência. Só que isso não é verdade, pois o corpo de Tiradentes não está enterrado em lugar algum. Como se sabe, ele foi esquartejado e suas partes consumidas com o tempo. A cabeça foi colocada na praça que hoje leva o seu nome, no centro de Ouro Preto, em frente ao mesmo museu da Inconfidência. E, neste, há o panteão dos inconfidentes, com os restos mortais de vários deles, mas não de todos, inclusive, não com os de Tiradentes, conforme se disse.

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