Blima Bracher

110 anos da Academia Mineira de Letras, eventos e história

Academia Mineira de Letras completa 110 anos

No ano em que a Academia Mineira de Letras completa 110 anos, o presidente  da entidade literária máxima no estado de Minas Gerais, Rogério Tavares Faria, convida para os eventos comemorativos, abertos ao público e gratuitos. A casa fica à rua da Bahia, 1466, no Centro de Belo Horizonte:

4 de dezembro – 19:30 horas – nos 75 anos do poeta Paulo Leminski, com a professora doutora Luciana Pimenta

5 de dezembro – 17 horas – lançamento do mais recente livro da confreira Elizabeth Rennó

6 de dezembro – 19:30 horas – lançamento do mais recente livro do confrade Ângelo Machado

9 de dezembro – 19:30 horas – palestra “História, ensino e transversalidades”, com Clotildes Teixeira e Janete Fonseca

10 de dezembro – 20 horas – posse do acadêmico Wander Melo Miranda, que será recebido pelo acadêmico Caio Boschi

12 de dezembro –  19:30 horas – lançamento de dois livros do confrade Olavo Romano

Olavo Machado

Fundada em Juiz de Fora no ano de 1909, a Academia foi transferida para a capital mineira em 24 de janeiro 1915. Em comemoração aos seus 110 anos, publicamos aqui o discurso de três ilustres acadêmicos: Vivaldi Moreira, Carlos Bracher e Ângelo Oswaldo de Araújo Santos.

ESBOÇO HISTÓRICO DA ACADEMIA MINEIRA DE LETRAS,

Por Vivaldi Moreira

Nada acontece por acaso. Há sempre um motivo anterior, um motor oculto acionando os acontecimentos que acabam por ocorrer numa determinada fatia do tempo e daí extrai sua justificativa e encontra seu desenvolvimento.

Quem chegasse a Juiz de Fora, no início do século, veria uma cidade florescente, entusiasta do progresso, repleta de figuras sugestivas em todos os setores produtivos. Na iniciativa privada eram os capitães de indústria, com largo tirocínio nos variados misteres, sustentados pelas atividades agro-pastoris com a predominância do café e, logo após, a pecuária fornecendo matéria-prima para os laticínios. Paralelamente, a inauguração, a manutenção e prosseguimento da indústria têxtil, a primeira do Estado.

Não se deve esquecer, por outro lado, que a primeira hidrelétrica do Brasil foi instalada no município para iluminar a bela cidade com suas largas avenidas, seus luxuosos palacetes, notadamente na Avenida Rio Branco e as sortidas lojas da Rua Halfeld, núcleo urbano, em constante região invadindo e influenciando toda a Zona da Mata, às portas da Capital Federal.

Homens ativos, empreendedores, abrindo fábricas de calçados, meias, sabão, manteiga, roupas, bebidas em geral,numa corrida bem ordenada contra a importação de produtos estrangeiros e implantação do produto nacional bem elaborado,conquistando a confiança do consumidor, tentando a substituição pela qualidade dos manufaturados.

Os educandários, os estabelecimentos de ensino eram de primeira ordem, disciplinados por figuras de alto saber e respeitabilidade, transformando Juiz de Fora na Meca da instrução e preparação da juventude para as exigências do século XX. A imprensa, por sua alta qualificação, pelas penas adamantinas que a dirigiam, rivalizava com a do Rio de Janeiro ehomens de reconhecido prestígio nacional emprestavam seu nome, assinando artigos e editoriais nos diários e periódicos da Manchester Mineira.

Foi neste ambiente, neste clima de prosperidade e esperança nos dias vindouros que um grupo de intelectuais, dos mais conspícuos na cidade, plantou a ideia e esta floresceu, de fundar uma Academia de Letras, afim de sustentar os predicados já em prática nos domínios da pureza da língua e culto das tradições de nossa grei. E tão sábios foram os Fundadores que logo arrebataram o adjetivo abrangente Mineira, em vez de se particularizar no menos ambicioso Juizforana, como poderia ter sugerido um espírito menor, sem visão panorâmica que coloca nossa Minas Gerais, a anfitriona que estende seus limites por todo o leste do Brasil.

A Academia Brasileira de Letras, fundada há um decénio no Rio de Janeiro, saída, também, do entusiasmo de alguns dos mais evidentes manejadores da pena e entregue logo ao escrupuloso bom gosto e sensibilidade de Machado de Assis, foi a inspiradora do valente grupo de Juiz de Fora. Imediatamente, esse seleto pugilo de escritores recrutou em vários locais de Minas os vexüários das boas letras e das atitudes sem mácula, para avalizar uma iniciativa generosa em prol daquilo que Machado de Assis cognominou a glória que fica, eleva, honra e consola.

O Grupo Pioneiro

Aos intelectuais de Juiz de Fora, pioneiros na ideia da fundação da Academia, foi dado o ensejo de convocar os demais componentes do grémio. Eram eles, em primeiro lugar, Machado Sobrinho, o maior propugnador que a comunicou logo aos companheiros, jornalistas e profissionais liberais, todos compromissados, desta ou daquela forma, com os labores da inteligência, a maioria de homens com menos de cinquenta anos:Albino Esteves, Amanajós de Araújo, Belmiro Braga, Brant Horta, Dilermando Cruz, Francisco Lins, Heitor Guimarães, José Rangel, Lindolfo Gomes, Luís de Oliveira e Eduardo de Menezes,

este com cinquenta e dois anos. Reunidos à noite de 24, os doze apóstolos da literatura e cultura mineiras, no dia imediato, 25 de dezembro de 1909, foi oficialmente fundada em Juiz de Fora , na sala de sessões da Câmara Municipal, das 19 às 23 horas, após debates acalorados, a Academia Mineira de Letras. Os doze elegeram mais dezoito, para completar o número de trinta cadeiras, escolhendo nomes de escritores, poetas e jornalistas espalhados por todo o Estado. São eles Estevão de Oliveira,Bento Ernesto Júnior, Mário de Lima, Franklin de Magalhães,Mendes de Oliveira, Aldo Delfino, Diogo de Vasconcellos, Nelson de Senna, Alphonsus de Guimaraens, Joaquim da Costa Senna,Arduíno Bolívar, Carlindo Leilis, Carlos Góes, Mário de Magalhães, José Paixão, Augusto Massena e Mendes Pimentel, que em carta recusou a honra da láurea por não se julgar escritor.

E na sessão de instalação, a 13 de maio de 1910, foram eleitos mais dez nomes, completando, assim, os quarenta que é o número tradicional das Academias, seguindo o modelo clássico da Academia Francesa, adotado, também, pela AcademiaBrasileira, fundada em 1897. Os nomes foram escrupulosamente recrutados pêlos fundadores, tanto na primeira como na segunda fornada, levando em conta não só as obras publicadas, mas o exercício efetivo das letras e seu amor manifesto pela literatura, computando-se, ainda, a envergadura moral de cada ocupante das futuras cadeiras. A escolha dos restantes recaiu sobre Álvaro da Silveira, Avelino Foscolo, Carmo Gama, Dom Joaquim Silvério de Souza, Olympio de Araújo, Pinto de Moura, José Eduardo da Fonseca, Gustavo Penna, que decimou da escolha assim como Aurélio Pires e Carvalho de Britto. As três figuras eleitas representavam, também, o que de melhor havia na inteligência mineira. O número só foi completado, depois, com a eleição de Gilberto de Alencar, com 22 anos, o benjamim da Academia, Navantino Santos, Paulo Brandão e Plínio Motta.

Assumiu a Presidência o mais velho do grupo fundador, Eduardo de Menezes, com 52 anos, médico conceituadíssimo e intelectual dos mais acreditados em Juiz de Fora, havendo proferido sua oração, peça de fino lavor, na instalação da entidade, a 13 de maio de 1910, no Teatro Municipal, com a presença do Presidente da Câmara Municipal e futuro Presidente do Estado, Dr. António Carlos Ribeiro da Andrada, que representava, também, o então Presidente, Dr. Nilo Peçonha e o Presidente do Estado, Dr. Wenceslau Braz Pereira Gomes.

Afirmou então o Presidente Menezes: – Estranho à vossa bravura, mas simples carneiro deste regimento, acompanhando vossos triunfos, orgulho-me de ter sido agasalhado por vós, como alvo apenas da vossa magnanimidade, mero mito simbólico de vossa esperançosa união. E o orador oficial, acadêmico Nelson de Senna, forrado de humanismo, sabedor ilustre, proferiu o discurso em nome dos confrades onde se encontram refulgentes jóias literárias e estranhas e certeiras previsões para Minas Gerais: –

Ao delinear o bosquejo deste painel de nosso progresso, eis que vimos de ferir, na sua agudeza torturante, o problema que nos preocupa o espírito, a saber: o excesso da atividade material entorpecerá as produções da inteligência nessa pátria do futuro, que viemos descortinando? O requinte do conforto, a intensa luta industrial, o progresso económico, o triunfo definitivo da era mercantil, no Brasil de amanhã, entibiarão as energias do cérebro nacional e farão apoucada a nossa cultura artística e literária?

Estas e outras indagações do intelectual vivendo em consonância com as grandes correntes mentais do mundo, enquanto a Primeira Grande Guerra troava na Europa. A verdade é que foi uma noite de gala, de inegável esplendor para a Manchester Mineira, que via realizados e confundidos os dois pólos da atividade humana:o lado material e o lado espiritual de uma comunidade cheia de civismo e de capacidade empreendedora.

Nesse clima de entusiasmo viveu a Academia até o ano de 1915, quando seus membros acordaram, pacificamente, sem nenhum trauma, que a instituição, em face de seu futuro, devia transferir-se para a Capital do Estado, por coincidir o nome com as finalidades sonhadas e postas em execução pelo Grupo Fundador.

De modo que a ablação foi realizada sem dor, todos irmanados no mesmo propósito, qual o de dar maior status à Academia, produto de seu sonho e realização de seu anelo. A Capital seria a sede natural da Instituição que a generosa Juiz de Fora criara num instante feliz de sua reconhecida capacidade empreendedora.

Esse pensamento, transcorridos oitenta e quatro anos, foi ratificado pelo Presidente Itamar Franco, quando da inauguração do Auditório que completou o palacete sede, a 30 de maio deste ano: – A Capital de um Estado deve ser mais do que a sede do poder político e administrativo. Deve reunir, também, em assembléias permanentes, o melhor de sua inteligência e de sua arte.

A 24 de janeiro de 1915, na sessão de instalação, sob a presidência do acadêmico Álvaro Astolfo da Silveira, no Teatro Municipal de Belo Horizonte, com a presença de altas autoridades, afirmou o Presidente: – No curto período de sua existência, encontrou ela, em seu berço, elementos que, com sobra, lhe asseguravam a existência. Considerações incabíveis neste momento determinam, entretanto, sua mudança para esta Capital, onde, por nímia gentileza que todos agradecemos, ficou entregue aos cuidados da diretoria que hoje se empossa. Já o orador oficial da Casa, o grande tribuno José Eduardo da Fonseca, com sua eloquência famosa, afirmava: – A metrópole sertaneja não podia dispensar a oficina literária: uma completa a outra.

Porque se é certo que a nossa voz ganha aqui uma intensidade, uma vibração, uma ressonância que lhe faltaria ali ou além, é igualmente certo, que a Academia paga para logo a dívida que contrai, entrando a ser um agente, umfator, um órgão do progresso coletivo nos domínios da especialidade a que se vota –a realização da obra artística, que é o melhor tesouro e a maior glória dos povos cultos.

De certo modo, repetia o que foi proferido pelo acadêmico Nelson de Senna, no discurso de inauguração, a 13 de maio de 1910, e que se mantém, até hoje, inalterável como diretriz da Academia Mineira de Letras: – Aqui, neste terreno neutro da Academia, lidamos todos sem rancores nem prevenções, mesmo aqueles dentre nós que, muitas vezes colocados em campos opostos na política, tenhamos cruzado com azedume o ferro dos combates.

De 1915 até 1920, Álvaro da Silveira, com seu imenso saber nas ciências da natureza, autor de obras que, se escritas em outra língua, gozariam de fama mundial, foi mantido na presidência da Casa sendo sucedido por Mário de Lima que permaneceu até 1922 e assim, sucessivamente, por Noraldino Lima, Carlos Gois, João Lúcio Brandão, Navantino Santos, até que, passando por vicissitudes indesejáveis até 1930, Aníbal Mattos assume a presidência e tenta reorganizar a entidade e dar-lhe pouso definitivo. E assim veio a nau acadêmica mineira navegando em mar tempestuoso até 1943, quando assume a presidência o grande humanista Mário Casasanta, que dispondo de prestígio em diversas áreas, consegue imprimir certa estabilidade e organização, fazendo ressurgir a antiga importância desfrutada pela Academia.

A Casasanta sucede Heli Menegale, que através de suas relações amistosas com o prefeito Octacílio Negrão de Lima, consegue enfim sua sede própria no sexto andar do edifício à rua Carijós, 150. Com a sede própria e meios de subsistência razoáveis, acrescidas de subvenções do poder público pôde até distribuir Prêmios literários, pagar jeton de presença aos acadêmicos e editar alguns números da Revista, paralisada desde que o governo estadual suspendeu as edições gratuitas na Imprensa Oficial.

Inicia-se, então, um período de relativa folga financeira, ao sabor, porém, da moeda instável do país.

Os acadêmicos ativos, que dispunham de largo círculo de relações e preparo intelectual tais como Mário Casasanta, Mário Matos e Heli Menegale revezavam-se na direção da Casa e sua liderança efetiva emprestou fulgor à Academia. Nela ingressei em 1960, sob o patrocínio dos chefes da Casa: Mário Casasanta, Mário Matos e Martins de Oliveira que, pela dedicação às lides acadêmicas, ascendera à liderança ao lado dos outros dois companheiros. Fui recebido na Casa com discurso de Oscar Mendes que, por temperamento, jamais aceitou sua indicação para o posto, mas passou a ser voz considerada no capítulo.

A Martins de Oliveira sucedi em 1975, sendo primeiro secretário desde 1961 até vice-presidente em 1969-1974. Nesse ano, Martins de Oliveira desejou afastar-se e os companheiros me elevaram à presidência, com Paulo Pinheiro Chagas na vice. Em meu discurso de posse, afirmei: – Não me conformarei com esta honraria enquanto não der a esta Casa uma sede ao rés-do-chão. É que a Academia, com sede condigna, situava-se num sexto andar de uma rua movimentada, sem estacionamento para automóveis desde aquela época. E aí iniciou-se minha luta que só terminou em 1987. Por doze anos, não foi outra minha preocupação e meu objetivo principal, minha quase obsessão, até que, por vontade divina,tivemos a graça de ver concretizado meu sonho na doação, em comodato, do palacete Borges da Costa com um lote ao lado para ser, futuramente, edificado o Auditório, imprescindível ao bom desempenho das atividades acadêmicas e justificado pelo alto prestígio já conquistado pela Casa de Alphonsus de Guimaraens.

Para restauração e aquisição de alfaias necessárias ao bom uso da bela mansão, obtive do presidente José Sarney, por intermédiodo seu Ministro de Planejamento, Aníbal Teixeira, a importância de CR$ 10.000.000,00 e com essa verba pudemos inaugurar as novas instalações em novembro de 1988, com missa solene celebrada pelos acadêmicos D. João Resende Costa e D. Oscar de Oliveira e grande recepção à sociedade da Capital. Da importância concedida pelo Presidente Sarney, restaram, ainda, quatro milhões e quinhentos mil cruzeiros novos que foram empregados na construção do Auditório.

Em 1988, transferi, por doação à Academia, minha biblioteca particular, formada desde 1931, com acervo de mais ou menos 20 mil volumes. Em seguida, meus pares, movidos pelo reconhecimento à minha integral devoção à Academia,modificaram o Estatuto da entidade e me concederam a láurea de Presidente Perpétuo. Hilton Rocha, ilustre figura de Minas, nosso confrade saudoso, foi intérprete dos companheiros, entregando-me uma placa de prata alusiva à data da votação, deixando de me conceder seu sufrágio somente três membros da Casa.

Em 1993, instituímos um curso permanente para difusão, não só dos valores literários, mas de todos os ramos do conhecimento a que demos o nome de Universidade Livre, que vem ministrando, semanalmente, palestras por figuras de reconhecimento prestígio em suas especialidades e que vem obtendo sucesso.

Foi assim que retomamos a construção do Auditório em primeiro de outubro de 1993, com recursos fornecidos pela Fundação Banco do Brasil, por determinação direta do Presidente da República Itamar Franco, atendendo solicitação nossa de 1992, após a paralisação das obras até àquela data. Os recursos para erguermos as fundações até o concreto e alvenaria foram fornecidas por leis encaminhadas ao Legislativo Mineiro pelo Governador Newton Cardoso que também transformou o comodato primitivo, por vinte anos, em doação dos imóveis da Rua da Bahia.

CONSIDERAÇÕES GERAIS

Compondo seu brasão, tem por divisa a Academia Mineira de Letras um dístico em latim: Scribendi nuliusfinis, que significa o escrever nunca tem fim, isto é, escreve-se ininterruptamente, cada geração tem sua mensagem a transmitir através da escrita.

Eis a tarefa primordial das Academias e que a Mineira tem por escopo seguir pontualmente, à risca. Estão os Acadêmicos preocupados com o ato de escrever, cada qual em seu setor, a fim de dar o testemunho de uma vida, de uma vocação, de uma carreira.

O restante, para a Academia, não tem o menor interesse ou só o tem na medida em que serve à missão de escrever, de deixar o rastro de uma existência no papel, para reconhecimento, reflexão, recreio, informação e/ou deleite dos pósteros.

Essa a alta política da Academia Mineira de Letras, em tudo semelhante às Academias tradicionais do mundo, cenáculos do saber, templos da inteligência, santuários da cultura e relicários da beleza. Tudo que enobrece o ser e procura eternizar o pensamento em sua condição de elo entre os homens e bússola para sua atuação é cultuado e engrandecido na Academia Mineira de Letras.

Daí advém seu prestígio na comunidade, pois a Academia é instituição acima das paixões, dos atropelos, dos ódios, das cóleras, das preferências. Ela visa ao eterno e por isso se diz que seus membros são imortais. Imortais no sentido de que a transitoriedade dos julgamentos é matéria falível. O registro sereno dos fatos, a alta reflexão, isenta de impureza, e o sentimento estético decantado são os fins para onde se orienta a atividade acadêmica.

Por isso a Academia é tão infensa às modas, símbolo da transitoriedade e das emoções momentâneas, como equidistante de grupos sejam esse de natureza literária ou política.

Quarenta acadêmicos compõem o sodalício, quando não há Cadeira vaga. O último falecido abre a vaga e o quorum ou colégio eleitoral se compõe de trinta e nove votantes. E, assim, sucessivamente. Só o acadêmico empossado tem direito a voto.

Os candidatos à vaga apresentam seu curricuium vitae e as obras publicadas iniciando assim o processo eleitoral. Na disputa, o candidato que obtiver vinte e um votos será o eleito e comporá o novo quorum. Pela ordem numérica das Cadeiras, os membros atuais da Academia Mineira são os seguintes: l. Vaga; 2.Osvaldo Soares da Cunha; 3. Oscar Dias Corrêa; 4. Alphonsus de Guimaraens Filho; 5. Miguel Gonçalves de Souza; 6. Alaíde Lisboa de Oliveira; 7. Wilson de Lima Bastos; 8. Milton Reis; 9. Márcio Manuel Garcia Vilela; 10. João Etienne Arreguy Filho;11. D. João Resende Costa; 12. Olavo Drummond; 13. Vaga; 14. João Vale Maurício; 15. Bonifácio José Tamm de Andrada; 16. José Afrânio Moreira Duarte; 17. Abgar Renault; 18. José Henrique Santos; 19. Padre José Carlos Brandi Aleixo; 20. Ariosvaldo de Campos Pires; 21. Caio Mário da Silva Pereira;22. Fábio Lucas; 23. Raul Machado Horta; 24. Eduardo Almeida Reis; 25. Aureliano Chaves; 26. Lacyr Schettino; 27. D. Oscar de Oliveira; 28. José Bento Teixeira de Sales; 29. Murilo Badaró; 30. Oiliam José; 31. Luís Carlos de Partilho; 32. Almir de Oliveira; 33. Nansen Araújo; 34. Gerson de Britto Mello Boson; 35.Orlando M. Carvalho; 36. Wilton Cardoso de Souza; 37. Edgar Vasconcelos Barros 38. Vivaldi Moreira;39. Edgar de Godói da Mata Machado; 40. Maria José de Quieróz.

Quando o Governador Hélio Garcia, em 1987, decidiu adquirir o solar da família Borges da Costa para doar o prédio à Academia Mineira de Letras, senti que metade de meu plano estava em vias de concretizar-se. Só metade, porque a doação incluía também o lote, ao lado, na rua da Bahia, 1470. Ali, devíamos construir o Auditório, pois o palacete, no número 1466, seria a sede, um relicário, autêntico museu, onde se instalariam as bibliotecas, a presidência, a secretaria e uma espécie de residência, da época art-nouveau, para hospedar personalidades ilustres, convidados da Academia e local de chá dos acadêmicos.

O projeto do arquiteto Gustavo Penna veio logo para a mesa das reuniões da Casa, com a metade representando a antevisão do que seria o conjunto dos dois edifícios, num diálogo expressivo do antigo com o moderno. A solução concebida pelo inspirado artista da prancheta logo despertou a admiração dos membros da Academia e de todos que ali tiveram a oportunidade de contemplá-la.

É que Gustavo Penna, há mais de dez anos, repetia-me sempre: – “Vou traçar, com o maior prazer, as linhas do monumento que será o prédio da Academia Mineira de Letras”. Acontece, porém, que a sede já estava pronta, e é o clássico da vila romana, saído das mãos do saudoso arquiteto Luís Signorelli para a casa do prof. Borges da Costa. Para completá-la, oferecendo-lhe as dimensões de um autêntico centro cultural, espaço necessário à Academia para as grandes recepções e eventos ligados à literatura e à arte, Gustavo Penna buscou interpretar, com sua fina sensibilidade, um modelo nítido das aspirações e finalidades da nossa entidade. A Academia é a continuidade, a preservação, a absorção do antigo no moderno, na dinâmica do tempo.

Descendente de acadêmicos que é, dos dois lados paterno e materno, pois o desembargador Gustavo Penna, escritor de raros dotes, convidado a fundar a Academia, em 1909, declinou, por modéstia, e José Oswaldo de Araújo, admirável poeta, antigo presidente da Casa, corre-lhe nas veias a linfa da poesia inata.

Foi guiado por essa prenda natural que Gustavo Penna sintetizou primorosamente as linhas de um edifício destinado a acolher os intelectuais mineiros, para a amena convivência entre gerações que se sucedem naquela Casa, matriz da inteligência do bom gosto, da tradição e da renovação em nosso Estado.

São estas as principais informações acerca da Casa de Alphonsus de Guimaraens ou Academia Mineira de Letras.

DISCURSO DE CARLOS BRACHER, EM SUA POSSE EM 6 MAIO DE 2016

Por Carlos Bracher

Nós somos o que somos filhos de um lugar, ou nos tornamos embriões genéticos e telúricos do local onde nascemos. Assim formula-se a história de um indivíduo, a saga que se lhe é colocada pela vivência.

Na medida do tempo, criamos uma interação inalienável com uma região, enquanto falas individualizadas de nossa trajetória. Uma árvore, um rio, o quintal de minha casa, crepúsculos, luares, as sombras que velam as coisas passam a ser parte de mim, numa troca invisível dos cheiros e formas, cores e sentidos dos desejos e pessoas diante de uma sedução claramente encantada.

Tudo nasce dessa intimidade de afetos a nutrirem evocações mágicas e fundas de uma conjuntura espectral, onde a poesia brota entre os homens, os espaços e a face oculta da natureza.

Portanto, a importância dos lugares, das sensações que se estabelecem no dia a dia, meses e anos, a força das lembranças avultando-se indefinivelmente, de uma herança espacial das origens. Como espécie de paraíso da vida, que se vai ampliando em demais outros, territoriais e progressivos, da infância à velhice. Conquanto aquele inicial demarca-se como símbolo, lacre da partida, o brandir do primeiro amor – a alçarmos às asas do mundo.

Somos uma mescla dinâmica das ilações confrontantes, entre nós, o universo e as definitividades estabelecidas. Viver é trocar, dar largos sinais de permanências, eternas instâncias onde o homem vai emergir frente a vetores imemoriais de suas moléculas intangíveis. É como nos fala Chagall: “O mundo só existe no que está dentro da minha alma.”

Meus pais, irmãos, avós, filhos, primos, sobrinhos, tios, netos, os amigos, a escola, bairro, a família, vizinhos, viagens, comidas, as pedras das calçadas, o barranco e as pontes são fragrâncias intocáveis de nossos corpos imaginários, de uma memória renhida.

Existe uma insuspeita afirmação de que somos “produtos de um meio”, do que ninguém discorda. Jamais se poderá duvidar desse conceito, da formação dos seres como advento de estruturas vivenciais de onde provêm. Cada um tem seu torrão, o ramo de conquistas de seus sentimentos, as alocuções sensoriais e sensíveis que se superpõem. A história dos homens – dos pequenos aos grandes –, é também a história de seus lugares, podendo ser uma simples roça ou imensa cidade, seja o sertão para Guimarães Rosa; Itabira para Drummond; Brodowsky para Portinari; o Rio de Janeiro para Machado e Vinícius; Santo Amaro para Caetano e Bethânia; Lisboa para Pessoa; Florença para Michelangelo e Dante; ou Salzburgo e Viena para Mozart, valendo tanto aos anônimos quanto a Shakespeare, Bach, Beethoven, Van Gogh, Cézanne, Picasso, Gaudi, Dostoiewsky e Stravinsky – todos fortemente marcados por suas terras natais.

Passado, presente, futuro, somos uma chama do universo e conosco ele está e estará. Onde estivermos. Poética, prismática. Insoluvelmente. E é Tolstoi quem nos lança o célebre desafio: “Cante tua província e serás universal.” Vida, a vida – eis a questão. E assim se constrói uma civilização, pelos feitos de seus filhos na progressão de fazeres que se somam num longo e ingente processo individual e coletivo.

Meus queridos, hoje, 6 de maio de 2016, muito mais que um evento social ou cultural, efetiva-se num ápice instante de minha caminhada, algo que jamais pudesse imaginar. Tomar posse numa dessas cadeiras de magnas expressões mineiras e nacionais, faz-nos redimensionar complexas questões e refletir o que somos, nossa organicidade, os reais quadrantes que nos perfazem e sustentam. Assim, se me permitirem, gostaria de lhes dizer um pouco do que foi minha formação, donde venho, quais fatores.

Numa palavra, talvez a elegesse, esta – a arte –, como a subjacência central de minha peregrinação. Jamais outra colocar-se-ia melhor entre mim e a existência, pois, além de meu próprio ser, ela alastra-se igualmente por minha conjuntura familiar, toda constituída de artistas há gerações.

E esse tem sido meu devotar exclusivo de 60 anos sequentes dos 75 totais, nessa insana busca diária de me ver, me possuir e me ser vivente ao mundo da arte.

Se lhes faço tal colocação, hei de revelar-lhes de universos e ententes outros, de um preito em mim insidioso – que não vem só da minha pessoa, esse tão parco homem que sou –, mas de um extenso condão que se insere no dorso essencial, delineando-me os desvãos cabais de minha entidade humana e artística.

Quando falo de “meio”, começaria da cidade a dar-me berço, aquela nos flancos da Zona da Mata mineira, para sempre amada terra, Juiz de Fora. Foi naqueles montes, naqueles vales de céus que me vi diante de uma empreitada, do nascer aos dias atuais, de algo, diria até mesmo, quase votivo de incidências, de figuras e verbos, os próximos e distantes donde uma cercania terrena fez-me ver compreender e preponderar o que sou, física, psicologicamente.

Portanto, minhas cláusulas pessoais não advêm apenas de mim, contudo, da configuração amplificada desse contexto urbano e familiar evocando-me o chão de equivalências estelares. E não o digo das estrelas altíssimas, daquelas que se divisam de distâncias longínquas espargindo seus brilhos monumentais, não. Eu sou essa fraca luz, de pequena, a mais ínfima, a sonora de um vasto silêncio de opacidades.

Ao falar de estrela desejaria dizê-la no sentido da grandiosidade em si, do que ela possa ser numa figura, de oferecer-lhe a excepcionalidade de um talento prodigioso, como se percebe, por exemplo, no fulgor de um grande mestre. Ao contrário, me situo, queiram entender-me. Não sou largo o suficiente, tenho a estreiteza de minha vulnerabilidade. Todavia, gostaria de ponderar que minha terra ofertou-me tudo, exatamente o tudo e o tanto que sou –, o que dela consegui absorver.

Em Juiz de Fora, a literatura foi sempre a estrela-mor de nossa expressão artística. Local de nascimento de poetas múltiplos e escritores brilhantes, são eles que perfazem a magnitude de nossa constelação. E o são em dezenas, centenas no tempo, mas entre a noite e o dia, entre as trevas e as entranhas é, sobretudo, a terra de dois imensos: Murilo Mendes e Pedro Nava.

Estamos todos ali regidos por um andamento psicográfico fecundo, de nossas avenidas, morros e matas, as casas e as sendas, o Rio Paraibuna que nos cerca, colégios, teatros e museus, as nuvens que nos enlevam, pensamentos e alumbramentos, somos um entretrecho formado por evocações de um passado de feitos fulgurantes, diante da nação, e onde exatamente elas –a palavra e a condição literária –, fazem-se regências norteadoras a nós, os juiz-foranos, de todas as épocas, como a realidade mais abrangente e precípua.

E, talvez, em Murilo Mendes esteja, não só sua autodefinição quanto nos seja a própria parábola angular, da cidade. Eis sua frase enigmática: “Não sou meu sobrevivente, e sim meu contemporâneo.” Ei-los, poeta e cidade, em espécie, desígnio e fatalidade, as perplexidades ambientais, sociais e duais, sendo ele mesmo um produto desse meio. Consciente ou inconscientemente, frente a um poder dialético nos encontramos – filosófica, antropologicamente, resguardados de avultamentos, ambivalências e ressurreições –, donde os conterrâneos se vêm atrelados diante das contradições de si, dos paralelismos existenciais e a sagração da criação.

Nós somos o que são nossos mistérios, dessa necessidade imperiosa de possuir passos, ventos e ventanias, melodias e abismos de estados subjetivos. Em Juiz de Fora, mais que aprendi, muito mais, apreendi tais equações que se tornam mobilizadoras, da arte, como fim supremo das coisas. Entende-se, por conseguinte, ser ali afortunado recinto de artistas de todas as modalidades, música, pintura, literatura, teatro, dança, cinema, arquitetura.

Por outra vertente, foi também importante ponto de chegada de imigrantes – italianos, portugueses, ingleses, espanhóis, africanos, sírios e libaneses –, mas principalmente foram os alemães a propiciarem uma contextura diferenciada, a partir de meados do século XIX, quando lá instalou-se uma leva de 1.500 germânicos, num universo de apenas 900 nativos.

Muito certamente, a fabulação dessas gentes trouxe contribuição de especial valia ao cenário geral da urbe. Porque, em decorrência deles começam a surgir, desde o Dezenove, escolas específicas para o estudo desses estrangeiros, erguendo-se belíssimos colégios, hoje centenários, como o Granbery, Academia, o extinto Stella Matutina, Santa Catarina, Santos Anjos e muitos outros, vindo com eles mestres e professores de alta qualificação, propiciando a elevação científica, intelectual e moral à cidade e regiões circunvizinhas.

Se pudéssemos constatar clara verdade sobre Juiz de Fora, conclui-se que um de seus principais sustentáculos terá sido, com absoluta certeza, o ensino de esmerada qualidade, não só de outrora quanto de agora. E o outro, obviamente, a sua reconhecida expressão nacional – no campo industrial, sobretudo no passado –, em que ela tornou-se pioneira no Brasil em muitos setores e onde se construiu a primeira hidrelétrica da América do Sul, um ousado feito de Bernardo Mascarenhas, o jovem engenheiro de Curvelo que estudou na Inglaterra.

A partir daquele histórico evento hidrelétrico, proliferaram-se vários outros, vanguardistas e em sequência – anteriores mesmo ao Rio de Janeiro, a então capital brasileira –, entre eles, a de ter sido a segunda cidade no país a possuir iluminação elétrica nas vias públicas, também a segunda a ter bondes eletrificados como meio de transporte. Muito frequentador da cidade, Manuel Bandeira os observa: “Teus bondes sem pressa dando voltas vadias.”

Na Campanha Civilista à Presidência da República, em 1910 Ruy Barbosa, percorrendo o Brasil, ao chegar em Juiz de Fora e percebendo sua pujança industrial cognominou-a de “Manchester Mineira”, aludindo à famosa cidade industrial inglesa.

Uma sociedade evolui por inteiro, por seus múltiplos segmentos, os econômicos, educacionais, sociais, culturais. E a partir da riqueza dos cafezais no entorno e na extensa Zona da Mata, e o acentuado desenvolvimento de seu parque fabril – consolidado através dos investimentos dos ricos latifundiários do café (fenômeno similar a São Paulo), entre os quais, Mariano Procópio. Da mesma forma que o ouro propiciou o florescimento cultural de Vila Rica no século XVIII, o café e a indústria trouxeram sofisticação a Juiz de Fora no XIX, com a construção de teatros, livrarias, editoras, diversos jornais diários, revistas, conservatórios de música, escolas de arte e grupos literários.

Nesse sentido, dois fatos se evidenciam: a edificação do palacete Mariano Procópio, em 1861, museu que possui dos mais preciosos acervos do Império Brasileiro; e o requintado Cine Teatro Central, construído em 1929 e ricamente decorado por Ângelo Bigi, tendo capacidade para 2.300 lugares (somente 200 menos que o Teatro Municipal do Rio, com 2.500), numa população à época de apenas 50 mil habitantes. Nessa consonância de sonoridades artísticas, novamente ouvimos a voz de Murilo Mendes: “Juiz de Fora era uma cidade cercada de pianos por todos os lados.”Visitante e amigo de intelectuais locais, Arthur de Azevedo a chama de “Atenas Mineira.”

Então, diante dessa efervescência geral, é fundada esta própria Academia Mineira de Letras, em 1909, aos moldes da Academia Brasileira (de 1896) e da Francesa. Curiosamente, foi designada não de “municipal”, porém, já antevendo seu futuro maior, “mineira.” Posso até imaginá-los, aquela plêiade de poetas, jornalistas e escritores conterrâneos, tão felizes, criando esta entidade e a ela imprimindo o sensível dístico, “Scribendinullus finis” (Escrever não tem fim), em plena noite de natal, na Câmara Municipal, corroborando a glória literária da cidade.

Numa análise mais ampla e dentro da historicidade de seu transcorrer, Juiz de Fora caracteriza-se por dois aspectos fundamentais: o industrial, por um lado; e o estudantil, por outro, conectando-se, ambos, a um terceiro – fortíssimo e crucial –, dos sentidos culturais e artísticos. Nessas vertentes encontramo-nos nós, entre trabalhar e estudar, entre criar e prospectar os clamores essenciais de nossa vocação, o que talvez explique sua natureza de cidade permanentemente produtora de talentos em todas as áreas.

E sob noção outra, há que se ater à benéfica proximidade geográfica com o Rio de Janeiro, a dar-nos a extensão de nossos horizontes – o mar e as constelações dos avanços, os sonhos hemisféricos continentais, o porto e a nave de nossa própria fulgurância.

Ninguém menos que Pedro Nava a descrever tal relação, de Juiz de Fora com o Rio, e logo no primeiro parágrafo de sua obra-prima, “Baú de Ossos”, assinala: “Eu sou um pobre homem do Caminho Novo das Minas dos Matos Gerais. Se não exatamente da picada de Garcia Rodrigues, ao menos da variante aberta pelo velho Halfeld, e que, na sua travessia pelo arraial do Paraibuna, tomou o nome de rua Principal e ficou sendo depois a rua Direita da Cidade do Juiz de Fora. Nasci nessa rua no número 179, em frente à mecânica, no sobrado onde reinava minha avó materna. E nas duas direções apontadas por essa que é hoje a avenida Rio Branco hesitou a minha vida. A direção do Milheiros e Mariano Procópio. A da rua do Espírito Santo e do Alto dos Passos. A primeira é o rumo do mato dentro, da subida da Mantiqueira, da garganta de João Aires, dos profetas carbonizados nos céus de fogo, das cidades decrépitas (…) A segunda é a direção do oceano afora, Serra do Mar abaixo, das saídas e das fugas.”

Se, por uma visão imagética, o Rio de Janeiro; por outra, Minas, a Minas profunda de Vila Rica dos nossos troncos, raízes ancestrais a perfazer a seiva definitiva de nosso caráter, referência, mineiridade. E é na antiga capital do Estado onde outro conterrâneo, Gilberto de Alencar, vai ancorar seu livro “Tal dia é o batizado”, atraído pela Inconfidência Mineira. Também Murilo Mendes segue à Cidade do Ouro a buscar semblantes de outrora ao seu “Contemplação de Ouro Preto”, de 1954, às essencialidades mineiras. Bem assim, no “Roteiro Lírico de Ouro Preto”, de Affonso Arinos de Mello Franco, é Pedro Nava que o ilustra.

Juiz de Fora situa-se estrategicamente numa região limítrofe de dois Estados – Minas e Rio de Janeiro –, onde a Estrada União e Indústria, a primeira de pavimentação asfáltica no Brasil, construída em 1861 pelo engenheiro alemão Henrique Halfeld, por solicitação de Mariano Procópio, ligando a cidade a Petrópolis, veio a ser a artéria a unir tais povos num só polo, numa só nomenclatura interestadual em que as questões culturais se estreitaram e passaram a ter identidades muito próximas.

Senhoras e senhores desta Casa de Alphonsus e Vivaldi, gostaria de dizer-lhes de uma coincidência entre mim e os dois escritores ora citados, pois sou da mesma Zona da Mata de Vivaldi Moreira, por nascença; e de Alphonsus de Guimaraens, por opção, onde resido há 45 anos.

Se pudesse externar-lhes um pouco mais de mim, diria: sou na verdade uma resultante de tudo que lhes disse, porque sou, efetivamente, uma síntese do lugar onde nasci. Entretanto, para além da cidade em si, venho de uma casa dentro desse lugar, que é donde provenho, especificamente, a casa de meus pais, aquela a clarear-me ares e esferas. E, se proferisse a última palavra, então diria: sou fruto de uma casa verdadeiramente encantada, de pessoas, vibrações, doações e alentos; de sonhos, encantos, encontros. E vida.

Aquela nossa casa não era nossa, era de muitos, de todos, necessariamente de todos, os díspares e os pares, os tipos mais diversificados possíveis: artistas, filósofos, músicos, idealistas, sonhadores, poetas, pensadores, místicos, cientistas, intelectuais, anarquistas, uma vasta tribo de várias faces num só contexto, um só enlevo de trocas mútuas sem cessar de afetos e saberes, e onde a generosidade foi o fiel de uma balança inalterável por gerações, dia e noite estendida como comunhão entre seres soerguidos em busca das verdades do espírito, do espírito e da alegria, partilhando-se uma tertúlia coletiva unificada, entre os da casa e os amigos, tantos, infindáveis. Dentre os quais cito um – Olívio Tavares de Araújo (a quem agradeço a honrosa presença nesta cerimônia) –, definindo-a como “loucura amorosa.”

No livro “Bracher”, de 1989, Métron Editora, eis o depoimento de Olívio, “(…) Éramos um punhado de adolescentes, vivendo uma fase borbulhante de nossas vidas e da cultura brasileira. Os tempos mudaram, e hoje já não há campo para arroubos tão intelectualizados nessa idade. (…) Waldemar Bracher (pai de Décio, Celina, Paulo, Nívea e Carlos) foi uma figura peculiaríssima, e com ele começa, sem dúvida, o clima de “amabilis insania” que caracteriza os Brachers em Juiz de Fora em especial(…). A “amabilis insania” – a qual, segundo Horácio (que assim a denominou), afeta inevitavelmente os poetas e artistas?Creio que a percebi desde o primeiro instante, ao entrar, em meados dos anos 60 na Casa dos Bracher. Houve época em que, na casa, tudo se vendeu, menos ela mesma e o piano. Até hoje o Castelinho é visto pela vizinhança como um ninho de excêntricos – embora a fama nacional de Carlos Bracher tenha acabado com qualquer outra eventual restrição da comunidade.”

No documentário “Carlos Bracher – Retrato Intenso”, do mesmo ano, continua Olívio: “(…) A Família Bracher ativava aqui em Juiz de Fora, incrivelmente, o meio cultural, através de uma galeria de arte chamada Celina, que era uma homenagem a Celina, irmã de Carlinhos que havia morrido precocemente. Era um instante de muita atividade, muita ebulição, de muita curiosidade intelectual de todo mundo. O que me fica mais presente talvez seja a lembrança de o quanto, neste momento de nossas vidas, esta casa, estas pessoas e estas famílias foram importantes. Só eu sei o quanto cada um viveu, pessoalmente, aqui dentro. Eu me lembro de que nós tínhamos um exercício de absoluta liberdade, que a casa era também a casa de cada um de nós. Seu Waldemar e D. Hermengarda nos apadrinhavam, nos perfilhavam, e nós fazíamos da Casa Bracher um ponto de refúgio, que talvez nós não tivéssemos, naquele momento, nas nossas próprias casas (…).”

Faço digressões de tais cenários, para esclarecer que não venho de nenhum talento específico ou de miragem alguma especial. Contudo – e o digo de meu coração –, posso asseverar que sou descendente de uma reciclagem de gente, dessas que vi perante meus olhos, um brado pulsante e mágico em que todos, os da família e os demais, se beneficiaram e saíram, como eu próprio, melhores, maiores, como seres e criadores, daquela vastíssima poesia humanística ali encetada no velho Castelinho da Rua Antônio Dias.

Caixa de texto:

O Castelinho dos Bracher em Juiz de Fora. E na recente retrospectiva intitulada Carlos Bracher, Pintura e Permanência, com curadoria de Olívio Tavares de Araújo – um comovente e memorável presente de minhas filhas –, cujas mostras percorreram o Centro Cultural Banco do Brasil de Belo Horizonte, São Paulo, Rio e Brasília, além do Centro Cultural Usiminas (um êxito absoluto com quase 500 mil visitantes), havia a reconstrução de nossa casa, e logo à entrada foi afixado um breve texto de minha autoria, intitulado A casa de almas entrelaçadas: “Com a de sala aqui reconstituída nos mínimos detalhes, as peças, os quadros e móveis originais, nossa casa de Juiz de Fora foi a seara de minhas primeiras estrelas, que se abriram em mim em constelações dos universos artísticos e humanos imemoriais. Neste ambiente pude compreender o que somos, pessoas e artistas, desse hemisfério equidistante donde transitamos nossas almas entrelaçadas: dores, alegrias, alquimias e pensamentos, a ação que move a mão ao insondável desejo das belezas incoercíveis.”

“Nessa casa sonhei os sonhos das manhãs, vi luas e sóis entreabrindo-se em meu dorso, entre cores e falas de meus manos pintores, o amor de meus pais e a generosidade da arte imantando-nos para sempre, frente a inumeráveis amigos, por essas paredes que parecem guardar-nos às esferas infindas, de tanta vida, tantas faces indizíveis, as saudades e as memórias, sons e verbos de uma cantata imaginária descerrando-se em nós como halos irreveláveis, as formas, os ladrilhos, portas e vitrais do que sou, que serei, em mim transpostos dos meus seres, a própria existência que carrego, da condição nossa de deixarmos a terra e alçarmos às asas etéreas da arte.”

Creio nos seres humanos, creio na bondade, creio nessa reta que se ergue em torno de certos valores; creio na expansão que nos toca a um além invisível, creio ainda numa espécie de harmonia de imenso fulgor; creio na arte como forma de salvação, no espírito e na espiritualidade. Creio nas infinitudes desse verbo real e irreal de que somos formados: a igualdade. E na condição de entendimento, diálogo e respeito às diversidades étnicas, culturais e particulares de cada povo. Creio enfim nesse desígnio cabal, a margem translúcida das coisas, dessas vestes a conquistar-nos com a definitividade suprema do que somos: a imponderabilidade, a relatividade.

Viver é um embate insano e múltiplo ao mesmo tempo, de têmporas inglórias e desvãos possuídos, onde nos traduziremos por subjetividades de imenso espectro, conquanto sejamos, não mais e apenas, vagas constelações que jamais saberemos compreender. A beleza vence os tempos e se apropria da eternidade, como o amor, essa sanha que se alastra e se ilumina, vislumbrando-se aos códices eternos, donde só chegaremos pela humildade. A natureza da arte é atingir a alma humana, de pertencê-la e ser dela copartícipe nas vastidões mais amplas possíveis.

Nossa empreitada é avançar. E a cada dia há um novo dispor. De auroras e poentes, circunstânciais a cada instante nesse exercício recorrente de sempre acreditar. A vida é um ato que independe de crenças, embora sejamos um acúmulo delas (mesmo as culturais), de uma lógica indeterminada. E, em si, nada mais simples – e nada mais complexo –, que viver.

E diante da obscuridade das decisões, logo que chegamos da Europa, em 1971, a Fani e eu estávamos frente a um tremendo impasse, qual era, o de “onde morarmos”, a partir da longa viagem europeia. Após muito refletir, optamos pela rota inversa, a do Norte. Não aquela quase costumeira, a juiz-forana natural, do Sul, do mero descer a Serra de Petrópolis às vagas do mar em direção ao Rio, não. Preferimos a outra, inversa, a íngreme e insólita rompendo os contrafortes da Mantiqueira a levar-nos às sesmarias encantadas de Aleijadinho, Ataíde e Gonzaga, Guignard, Marcier e Drummond, às mesmas trilhadas ainda pelos conterrâneos de antes, Gilberto de Alencar, Murilo Mendes e Pedro Nava – da Velha Minas.

Com nossos sonhos perfilados e os olhos imantados de tanto brilho, viemos fincar raízes, buscar brumas sensações a aqui lançarmos as bases de uma nova matriz, desbravando a fonte de nossa dupla história – da Fani e a minha –, em Ouro Preto, onde estamos até hoje, na mesma casa matricial. E aqui, não só arte, não só cultura e pintura, mas esta cidade tornou-se o berço de nossas pérolas sublimes: as filhas Blima (jornalista) e Larissa (atriz), onde as criamos e demos nossos sumos, à família que construímos.

A arte talvez seja o advento mais natural da percepção humana, algo espontâneo que se processa sem querer, que nasce, se sedimenta e se torna grandioso como um feito notável da necessidade indômita de seu criador. Que pode ser a qualquer momento, em qualquer idade, sem data alguma marcada. E lembro-me do ocorrido comigo mesmo naquele gesto adolescente.

Eu tinha 13 anos e num repente, um dia peguei um carvão, subi uma longa escada e lasquei direto no alto da parede, na garagem de nossa casa, essa frase tão singela, todavia já reveladora de alguma perplexidade, ainda que juvenil. Era assim: “Sou um simples que passa sem lugar definido.”

Essa terá sido minha primeira manifestação criativa, antes mesmo de me lançar à pintura, só ocorrido aos 15 anos. Desde então, não parei mais, seja com idêntico carvão que até hoje uso para desenhar as telas, sejam as palavras sobre folhas, com meu lápis 6B, como agora o faço no papel A4.

Voltando aos 13 anos, foi nessa idade que ingressei na Louçarte, uma fábrica de louças pintadas à mão, de meu pai. Lá trabalhei como operário por três ou quatro anos, moldando peças ou empacotando-as. Das riquíssimas experiências que tive.

Trabalhava de dia e estudava à noite na Escola Normal. Na exposição realizada no Museu de Arte Murilo Mendes, em 2011, sobre tais louças, escrevi o texto – “Ar, arte, louçarte: cantata operária.”

Pintar e escrever são faces de um corolário incognoscível que se traduz nos estuários de minhas abstratas perquirições, de conhecer-me em espírito e espécie pelos desígnios artísticos. Por vezes escrevo, por vezes vou à paleta e me debruço no estirar de telas, gestos e cores.

A arte é uma hipótese metafísica e metafórica do gênero humano, que nela se lança e se expande em demasia. Pintar e escrever são, ambos, células uníssonas de emoções que se clareiam vertiginosas em átimos progressivos, desconcertantes, impiedosos, abissais.

O apenas visível é muito pouco, temos que seguir a dinâmica anímica de nossa essência, se quisermos conquistar a chama da grande arte. Faço minhas pinturas com o mesmo ímpeto que escrevo. Há uma clara analogia entre elas, e as cores se tornam palavras, como essas se revelam em cores dentro de uma sincronicidade, transcendente e estética, de extravasar sentimentos e utopias.

O meu ateliê é o recinto de minhas entregas e nele habito como um pássaro voa. Eu voo, aqui, nesse pequenino espaço de minhas paixões, ouvindo Bach, Beethoven e Mahler, na Ladeira do Carmo, com a visão de Ouro Preto ao fundo, seus montes minerais e suas brancas igrejas salpicadas, que os vejo, implacáveis em delírios, o mesmo cenário, há quase meio século.

Queridos amigos e familiares, meus caríssimos confrades, conquanto a vida seja uma caminhada quase vã de meus próprios passos, não sei o que me traz a esta tão nobre casa. Só – e o que me fica de provável –, talvez seja o meu próprio embate, entre estrelas e incertezas, entre o ser e o fabular, divagar vertigens de um gesto só, o tempo e o espaço, do que aqui na terra me ocupo – o só sonhar.

E de tanto cansar o que não vejo, principio e avanço às tênues hastes de um inquebrantável sonho: à luta de meu próprio instinto – a vida; à batalha de meu próprio destino – a arte.

Minha finitude se desvanece, mas me atiro nos braços do velho Cavaleiro Andante, não apenas como meu ídolo eterno quanto para encerrar esse breve texto com as insignes palavras dele próprio, que me revigoram e me levam às lágrimas, sempre:

“Sonhar mais um sonho impossível

Lutar quando é fácil ceder

Vencer o inimigo invencível

Negar quando a regra é vender.”

Caríssimos Acadêmicos, membros da Academia Mineira de Letras, aqui estou, bem o sabemos, pela dor de uma ausência, cumprindo os preceitos de uma cláusula, substituindo uma figura que partiu. E estou a fazer exatamente o impossível, creiam vocês, qual seja, suprir a despedida de um elevadíssimo homem, de saberes altíssimos e universais – o meu querido conterrâneo, professor Almir de Oliveira.

Dele, todos vocês o sabem, a pessoa de densa cultura que plantou sua vida sobre livros, a sempre estudar e redimensionar sua privilegiada inteligência, dedicando-se à Ciência do Direito.

Para além de suas inumeráveis competências profissionais, foi um homem exemplar, totalmente dedicado à família e à sua esposa Joanna. E lá vinha ele, aquela figura de comovente simpatia, sempre sorridente, acolhendo a todos com imensa alegria.

Porém, desejaria lhes dizer de um algo por todos desconhecido – acontecido entre nós dois –, que foi exatamente pelas mãos de Dom Quixote que nos conhecemos. Eu tinha uns 19 anos quando um dia ele apareceu lá em casa, propondo-me a que eu pintasse o famoso Cavaleiro. Que, por acaso, foi não só nosso primeiro encontro quanto a primeira encomenda que recebi como pintor. Portanto, é por Cervantes que me ligo ao saudoso Almir e, por extrema coincidência, ora aqui estou a substituí-lo, por uma condição do destino.

Almir Assis de Oliveira nasceu em 8 de julho de 1917, filho de Aldemar de Oliveira Santos e de Isaura Assis de Oliveira. Casou-se em Juiz de Fora em 1947, com Joanna Vanelli, com quem teve quatro filhos: Igor, Dione, Lúcio e Tais. Tinha 10 netos e 5 bisnetos.

Fez os estudos primários em Carangola e Raul Soares e os secundários em Ponte Nova e Juiz de Fora. Diplomou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Juiz de Fora, hoje integrada à UFJF. Lecionou na Faculdade de Filosofia e Letras e História do Brasil na UFJF. Foi professor catedrático de Direito Internacional Público na Faculdade de Direito de Juiz de Fora, tendo sido o primeiro ex-aluno da Faculdade admitido como professor.

Também, dirigiu a Faculdade de Direito entre 1964 e 1971, tendo sido sub-Reitor do setor de Estudos Sociais. Era o Diretor na Faculdade de Direito quando esta foi a primeira faculdade a transferir-se para o Campus.

Foi advogado da Companhia Mineira de Eletricidade e chefe do departamento jurídico da Cemig em Juiz de Fora. Jornalista profissional, trabalhou no Estado de Minas, em Belo Horizonte, no Diário Mercantil, em Juiz de Fora e no Jornal Binômio.

Escreveu os livros: Gonzaga e a Inconfidência Mineira (1948); A Solução Jurídica do Problema da Paz Internacional (1950); Duas Inconfidências (1970); Democracia e Direitos Humanos (1983); e o Parsifal de Wagner.

Nossa Cadeira, de número 32, tem como patrono outra figura notável: o Marques de Sapucaí, aquele mesmo da famosa avenida do carnaval carioca. Este grande mineiro, Cândido José de Araújo, nasceu em Nova Lima, então Congonhas de Sabará, em 1793 e faleceu em 1875, aos 81 anos, no Rio de Janeiro.

Foi Desembargador e Político. Ministro da Fazenda e Ministro da Justiça, Conselheiro de Estado, Deputado Geral, Presidente de Província e Senador, de 1840 a 1875, eleito pela província de Minas Gerais. Ocupou as presidências das províncias de Alagoas e do Maranhão.

Por seu elevado nível intelectual e valores morais, foi nomeado mestre de Literatura e Ciências Políticas de D. Pedro II, então herdeiro do trono. Posteriormente, cuidou da educação da Princesa Isabel.

Queridos presentes, gostaria de dividir as glórias deste instante com diversas pessoas: a Fani, aliada de meio século; as amadas filhas Blima e Larissa; e também meu amado (e engraçado) netinho, Valentim; os queridos genros Paulinho Moska e Ricardo Correa de Araújo. Dividi-las igualmente com meus inesquecíveis pais, da grande aventura; e esses companheiros eternos, os manos que partiram, Celina, Nívea e Décio; e você, irmão querido Paulinho, aqui presente; e a cunhada Stella (prima do Professor Almir) para sempre mestra minha literária.

Profundamente, compartilho com aqueles queridos tios, muito mais que tios, nossos ícones imemoriais da vida inteira; também os primos e sobrinhos. Aos amigos, agradeço. Muitíssimo. E são tantos, sobretudo ao querido Ângelo Oswaldo, por cujas mãos, acabo de adentrar os umbrais desta Casa. E aos Acadêmicos e à Academia, toda minha imensa gratidão.

DISCURSO DO ACADÊMICO ÂNGELO OSWALDO

Por Ângelo Oswaldo de Araújo Santos (em ocasião da posse do acadêmico Carlos Bracher, em 6 de meio de 2016)

Caro Presidente da Academia Mineira de Letras, escritor Olavo Romano, próxima presidente da nossa Casa, acadêmica Elizabeth Rennó, e amigo Carlos Bracher, agora nosso confrade dessa agremiação centenária. Quero saudar, também, Fani Bracher, e as filhas Blima e Larissa, que aqui estão, e (Décio) Valentim, também presente.

Amigos e amigas, senhoras e senhores, a Academia Mineira de Letras foi fundada no dia de natal de 1909, em Juiz de Fora, em cerimônia realizada na sua Câmara Municipal, edificação que, junto ao Parque Halfeld, sobrevive às grandes transformações que redesenharam a cidade da infância de Murilo Mendes e Pedro Nava.

Um grupo de intelectuais decidira então criar um grêmio à maneira da Casa de Machado de Assis e da Academia Francesa, dando-lhe logo a dimensão no Estado. Ofereceu-o a Minas Gerais, para além das fronteiras da sua mais progressista cidade, apta a abrir uma academia prestigiosa, mas convicta do destino naquele instante traçado. Belo Horizonte vivia os primeiros momentos do seu segundo decêndio e rapidamente aspirou se tornar sede do sodalício mineiro.

Por descortino e generosidade, Juiz de Fora aprovou a transferência e a Academia tomou um caminho novo, no rumo da nova capital do Estado. Sacramentou-se, na ocasião, o compromisso de um juiz-forano estar sempre entre os pares da (inaudível), de modo a se preservar a memória da iniciativa do mestre Machado Sobrinho e dos seus companheiros do Paraibuna, entre os quais, o celebrado Belmiro Braga.

Estamos hoje, mais de um século transcorrido, renovando o vínculo da Academia Mineira de Letras com o torrão natal. Recebemos o artista plástico e escritor Carlos Bracher, na vaga deixada por seu saudoso conterrâneo, o escritor e historiador Almir de Oliveira.

Nascido em Juiz de Fora e ouro-pretano de coração, Bracher expressa, de modo singular, a cultura, o talento e a sensibilidade do chão de Arlindo Daibert e Rubem Fonseca, Dinah Rocha e Fernando Gabeira, Rosete de Alencar e Raquel Jardim, Artur Arpune e José Alberto Pinho Neves, Flávio Márcio e José Luiz Ribeiro, Celina e Lívia Bracher, saudosas irmãs do pintor, (inaudível) Roberto Gil, grande pintor de Juiz de Fora. A cidade em que Alfredo Ferreira Lage implantou um dos mais ricos e belos museus do Brasil, no palacete erguido por seu pai, o pioneiro Mariano Procópio, foi desde sempre o berço de personalidades admiráveis.

O engenheiro Waldemar Bracher, professora da universidade li implantada pelo Presidente Juscelino Kubitscheck, casou-se com a diamantinense Hemengarda Aguiar. E Carlos (inaudível) a veia lírica que procede do antigo Tijuco das serenatas enluaradas. O casal Bracher foi viver no famoso Castelinho, obra do arquiteto Rafael Arcri, que domina a paisagem urbana, coroando a perspectiva da Avenida Getúlio Vargas, artéria estendida desde o eixo principal que é a Avenida rio Branco, até o antigo Portal da União Indústria.

Foi aí que um clã de artistas e intelectuais se formou: o arquiteto e pintor Décio, a escritora e pintora Celina, a pintora Nívea, o músico Paulo e Carlos Bernardo, o nosso Carlos Bracher. O ambiente propício acentuou os dotes e consagrou a vocação da família.

Assim surgiu, ampliando o núcleo do Castelinho, a Galeria Celina, aberta na legendaria Rua Halfeld. E nós estamos aqui, também, numa casa Halfeld…

O Amilcar Martins Filho está aqui para lembrar que a sua avó, dona Maria José Halfeld Borges da Costa, viveu nesta casa, e é uma casa Halfeld, também. Porque em Juiz de Fora tudo é Halfeld. Então o Bracher já está em casa, também, uma casa Halfeld. O ambiente propício acentuou os dotes e consagrou a vocação da família.

Assim surgiu, ampliando o núcleo do Castelinho, a Galeria Celina, aberta na legendária Rua Halfed. E nós estamos aqui, também, numa casa Halfed, ponto da maior importância na renovação e na agitação cultural de Juiz de Fora, nos anos 60. Em homenagem à irmã que partiu prematuramente, musa de uma geração de intelectuais, os irmãos Bracher conceberam a galeria com o seu nome: Celina. De lá, Carlos saiu para estudar com Fayga Owstroer, ganhando um promoção de viagem no Salão Nacional, de passar dois anos na Europa.

Na volta ao Brasil fixou-se em Ouro Preto com a mulher, Fani Bracher, que ali se tornaria pintora, grande pintora. Ambos fascinados pela criação artística e a paisagem amada por Guignard, Marcier, Scliar e Ivan Marchett. Como os pais, a jornalista Blima e a atriz Larissa, as duas filhas, nasceram em Juiz de Fora e se fizeram ouro-pretanas, cultivando a Cultura e a Arte.

É importante registrar que Gilberto de Alencar, juiz-forano membro desta Casa, publicou, em Juiz de Fora, em 1926 – faz noventa anos –, um pequeno e apaixonado livro sobre Ouro Preto. Ao fecho qual clamava pela preservação da antiga Vila Rica. Carlos Bracher é o pintor das montanhas, dos relevos abruptos e minerais, dos alcantis verdes, rasgados e sangrentos. É o pinto de Ouro Preto e das Cidades Históricas, com suas torres e ladeiras, como também o pintor das flores rodeadas de velas, porcelanas e (fluídos). São os principais temas que agitam seus pinceis, nos desempenho frenético da obra plástica. Na usina siderúrgica do Vale do Aço ou as colunas e arcadas Niemayerianas de Brasília, não escapam ao seu arrebatamento.

Vê-lo pintar é assistir a um ritual (que comove). Tomado pela emoção, estremecido pelo desafio da superfície branca da tela, excitado pela música, como lembrou o nosso Presidente Olavo Romano, quase sempre o acompanha Sebastian Bach, o acompanha no solo da pintura, Bracher compõe, com pinceladas expressionistas, imagens de movimentação profusa e forte cromatismo. É, ainda, um notável retratista. (inaudível), após rápido, mas intenso, estão entre as obras referenciais do gênero.

Os críticos Frederico Morais e Olívio Tavares de Araújo… – o nosso querido Olívio Tavares de Araújo, que aqui está presente, ao lado da sua mãe – os críticos Frederico Morais e Olívio Tavares de Araújo dedicaram a Bracher textos que traduzem, de modo luminoso, os valores que (criador) que deixou o seu espaço na pintura brasileira do nosso tempo. Juiz de Fora ensina o poeta a ser artista.

Os desenhos de Pedro Nava estão entre o que há de melhor no Modernismo mineiro, movimento dominado pelas Letras. Basta lembrar as ilustrações feitas por Nava num exemplar de Macunaíma e as impressas no Roteiro Lírico de ouro Preto, uma parceria dele com Afonso Arinos de Melo Franco. Ao olho armado de Murilo Mendes, lúcido e sensível crítico de arte – e eu dizia que o olho armado – recorriam para textos de apresentação, os mais importantes autores italianos da época passada em Roma, como já havia acontecido no Rio de Janeiro da sua mocidade. Carlos Bracher é tendência escritor.

No texto, sempre intenso, escorre o caudal barroco em que o torvelinho de palavras enreda as vibrações emocionais do autor. É assim que o lemos em numerosos textos e nos ouvimos no ora lançado audiovisual dirigido pela filha Blima Bracher, para registrar seu colóquio amoroso com a cidade de Ouro Preto.

A casa de Alphonsus de Guimarães – nasceu em Ouro Preto, morreu em Mariana – nem sempre teve artistas em seus quadros. Por exemplo, nos tempos idos, é oferecido pelo mestre Aníbal Mattos, fundador das nossas escolas de Belas Artes e de Arquitetura da UFMG. O poeta Emílio Moura era um grande desenhista e deixou esplêndidas caricaturas de escritores do seu tempo. Edson Moreira, poeta, promovia as Artes Plásticas na convergente Livraria Itatiaia. No entanto, as linguagens diversas da criação cultural convivem entre nós.

https://pt.wikipedia.org/wiki/Academia_Mineira_de_Letras

www.academiamineiradeletras.org.br

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal UAI.

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